Patrick J. Deneen: intolerância: consequência lógica do liberalismo

Patrick J. Deneen, professor de Ciência Política na Universidade de Notre Dame e autor do influente livro Why liberalism failed [Por que o liberalismo falhou], impôs-se como uma das vozes mais críticas contra o paradigma político estabelecido depois da Segunda Guerra Mundial. Sua tese central é que o liberalismo, longe de garantir uma verdadeira diversidade, forçou a aceitação de molde ideológico destinado a subordinar as identidades e as tradições ao consumo e à eficácia econômica.
Nesta altura em que o mundo passa por completa reconfiguração, marcada pelo empoderecimento de novas nações, por tensões culturais internas e por crescente ceticismo quanto ao modelo mundialista, Deneen defende as lealdades locais, as raízes religiosas e as tradições nacionais como essenciais à saúde política das nações. Ele considera que a chamada “intolerância liberal” não consiste numa anomalia, mas sim numa consequência lógica de um sistema que, se não domestica as convicções profundas, recorre à coerção direta contra elas.
Sua leitura da política americana e europeia rompe com as categorias clássicas de esquerda e direita. Segundo ele, o novo plano de clivagem política aparta uma elite transnacional ― educada, cosmopolita e corporativista ― de uma classe trabalhadora que, paradoxalmente, deveio a principal força conservadora. A entrevista, realizada quando foi da MCC Feszt, resume suas ideias sobre a mudança de paradigma, os limites da tolerância progressista e o conceito de bem comum nas sociedades fragmentadas.
Nosso colega Javier Villamor entrevistou-o para The European Conservative. A tradução [do inglês para o francês] é nossa [da Breizh-info].
O paradigma direita-esquerda mudou?
Patrick J. Deneen: sim, fundamentalmente. Depois da Segunda Guerra Mundial, a esquerda defendia a classe trabalhadora, inspirada nas tradições socialistas e mesmo marxistas, enquanto a direita representava as elites financeiras. Atualmente, ocorre o inverso: o Partido Democrata americano é o partido das grandes empresas, da gente de alta renda e daqueles com escolaridade superior; seus principais doadores são as universidades, as corporações transnacionais e as grandes instituições. O Partido Republicano tornou-se o partido da classe trabalhadora. Isso desmantela a ideia de que os trabalhadores sejam sempre favoráveis às soluções de esquerda. O próprio Marx acreditava que a classe trabalhadora, sendo mais conservadora do que a elite, valorava a estabilidade, a ordem e as tradições.
Há um pensamento mundial monolítico que nos confronta em nome da diversidade?
Patrick J. Deneen: a diversidade foi sempre um desafio; não se trata de invenção moderna. O liberalismo contemporâneo sugere que não busquemos o bem comum, mas antes aquilo que nos der na veneta, observado um pacto de não agressão. Porém, isso pressupõe que todos sejamos sobretudo liberais; depois, se quisermos, poderemos escolher ser católicos ou judeus ou muçulmanos ou … Destarte, a diversidade pressuposta acaba por se dissolver numa homogeneidade formada de consumidores materialistas. A escolha forçada empobrece a vida humana, privando-nos de elementos essenciais, como a amizade, a família, a busca da verdade, sem o que nos perdemos num vazio de sentido.
Como o liberalismo reage àqueles que resistem à imposição de seu projeto?
Patrick J. Deneen: a princípio, por meios indiretos, econômicos, principalmente: para não ser marginalizado, é preciso deixar de lado as próprias crenças ou valores tradicionais, em nome da eficácia. Entretanto, quando a resistência passa a envolver aspectos fundamentais ― como a visão do homem e da mulher, o casamento ou Deus ― o liberalismo lança mão de meios diretos. Daí emerge o que eu chamo de “intolerância liberal” ou “liberalismo iliberal”. Não se trata de um desvio, mas sim da consequência lógica do próprio desenvolvimento liberal.
A avançada liberal tem limites?
Patrick J. Deneen: sim, a negação da realidade biológica chegou a um ponto de ruptura. Pretender que os homens e as mulheres não existam ou chamar as mulheres de “pessoas dotadas de útero” desencadeou uma reação popular. Todos aqueles que apoiaram Trump não o fizeram por afinidade pessoal, antes buscaram responder ao radicalismo progressista.
O liberalismo está, inevitavelmente, destinado a chegar ainda mais longe?
Patrick J. Deneen: seu movimento explica-se por sua lógica ínsita. O liberalismo busca subverter novas realidades, sempre no intento de plenificar a liberdade individual, razão pela qual ele toma o fato de alguém ser homem ou mulher, pai ou criança, como algo arbitrário, uma simples convenção social que se pode e deve mudar, conforme a livre vontade de cada pessoa. A realidade não se deixa substituir pelo desejo, mas a dinâmica revolucionária não arrefece. Nós estamos sofrendo as consequências terminais da lógica liberal, sendo o mesmo dizer que estamos submetidos à opressão liberal.
A verdade tem proteção?
Patrick J. Deneen: a realidade tende a se manifestar, porque ela faz parte da nossa natureza humana. Isso inclui o reconhecimento dos papéis distintos do homem e da mulher, mas também o fato de fazermos parte da natureza. Nessa questão, a direita retoma suas posições: não se trata só de alarmismo climático, mas de saber como viver sem transgredir os limites do planeta. Há uma tensão entre o otimismo tecnológico, que busca ultrapassar esses mesmos limites, chegando até Marte, e um conservadorismo mais terra-a-terra, valorador da agricultura, da comunidade local e da moderação no consumo.
Como a sua pessoa definiria o bem comum?
Patrick J. Deneen: a palavra “Comum”, em inglês, significa, simultaneamente, “Compartido” e “Ordinário”. Uma maneira de perceber o bem comum consiste em observar como se comportam as pessoas medianas, o homem da rua. Essa gente ascende ou declina? JD Vance, o atual vice-presidente dos Estados Unidos, tem origem nesse meio social e sabe o quanto dói vê-lo devastado por políticas socioeconômicas desacertadas. Uma sociedade bem-ordenada deve permitir às crianças das famílias comuns que disponham de oportunidades reais, mesmo sem as regalias da elite.
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Fonte: Breizh-info | Autor: Patrick J. Deneen | Título original: L’intolérance du libéralisme n’est pas une déviation, mais la conséquence logique de son développement. | Data de publicação: 16 de agosto de 2025 | Versão brasilesa: Chauke Stephan Filho





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