Caso o leitor conheça alguma coisa da tradicional ética judaica (ou seja, a ética judaica anterior ao tratamento intelectual por que passou para o razonamento do judaísmo como religião moderna no Ocidente ― conforme se vê aqui: Wikipedia article on Jewish ethics), ele saberá que tal ética de antes do Iluminismo era toda ela baseada nas ações de aplicação e validade grupais, segundo se tratasse do endogrupo ou de um exogrupo. Os não judeus ou góis não tinham nenhum valor moral para os judeus, que os podiam explorar e até matar, se isso não ameaçasse os interesses da comunidade judaica em geral. Eu já escrevi muito sobre a moralidade endogrupal judaica, como no Capítulo 6 de A People That Shall Dwell Alone [Um povo que viverá só].
A ética empresarial e social codificada na Bíblia e no Talmude atribui muita importância à pertença grupal e o faz buscando reduzir a opressão na comunidade judaica, mas não entre judeus e gentios. Talvez o exemplo mais frisante das diferenças negociais respectivas a judeus e gentios, insculpido em Deuteronômio 23, seja o dos empréstimos: os gentios deviam pagar o juro, mas este não poderia ser cobrado de judeus. Embora tenha havido subterfúgios para burlar essa proibição, os empréstimos para judeus na Espanha medieval eram feitos sem cobrança de juro (Neuman, 1969, I:194), mas cristãos e muçulmanos pagavam taxas de 20 a 40 por cento pelos empréstimos (Lea, 1906-07, I:97). Também Hartung (1992) observa que a ideologia religiosa judaica originária do Pentateuco e do Talmude toma muito em consideração a filiação grupal ao avaliar a moralidade de ações variando do assassinato ao adultério. Por exemplo, o estupro era severamente punido somente se houvesse consequências negativas para um homem israelita. Enquanto o estupro de uma noiva virgem judia era punido com a morte, não havia nenhuma punição no caso de a mulher não ser judia. No Capítulo 4, também notei que as penalidades para crimes sexuais contra prosélitos eram mais brandas do que as penalidades para esse mesmo tipo de crime contra os outros judeus.
Hartung refere que, de acordo com o Talmude (b. Sinedrim 79a), um israelita não seria considerado culpado se matasse outro israelita, quando tentasse matar um pagão. Entretanto, em acontecendo o contrário, ou seja, se o pagão matasse o judeu, o perpetrador seria condenado à pena de morte. Outrossim, o Talmude contém uma série de prescrições no sentido de assegurar a honestidade nas relações entre os judeus, mas admite a subtração de bens dos gentios, a aproveitação dos erros dos gentios nas transações negociais e a não devolução aos gentios de seus artigos perdidos. (Katz 1961a, 38) [ii]
Katz (1961a) revela que essas práticas foram modificadas durante e depois da Idade Média entre os asquenazes, no intento de evitar a hillul hashem, isto é, a má reputação da religião judaica. Nos termos do Sínodo de Francforte de 1603, “Aqueles que ludibriam os gentios profanam o nome do Senhor” (apud Finkelstein 1924, 280). Tirar proveito dos gentios era permitido, quando não ocorresse a hillul hashem, segundo a sentença rabínica em resposta à contestação ao direito a esse tipo de ganho. Nota-se claramente aí que se trata de um senso ético de base grupal, pelo que apenas o dano que se pode causar ao próprio grupo é visto como razão impeditiva de causar dano ao grupo alheio. “Normas éticas aplicam-se apenas no âmbito do endogrupo.” (Katz 1961a, 42)
O psicólogo evolucionário e antropólogo John Hartung, citado acima, deu continuidade ao seu trabalho sobre a ética judaica postando seus escritos no seu saite (strugglesforexistence.com). Aí merece especial atenção o texto “Thou Shalt Not Kill … Whom?” [Não matarás… Quem?]. O duplo padrão da ética judaica tem sido o tema mais explorado do antissemitismo ao longo das eras, questão discutida no Capítulo 2 de Separation and Its Discontents:
A começar dos debates entre judeus e cristãos na Idade Média (ver o cap. 7), disputas reacesas no começo do século XIX, o Talmude e outros textos religiosos judaicos foram condenados pela duplicidade de seu padrão moral, seu caráter anticristão e seu extremado nacionalismo e etnocentrismo. Esta crítica tem fácil comprovação nesses escritos (cf. Hartung, 1995; Shahak, 1994; PTSDA, cap. 6). Por exemplo, o historiador [da Cornell University] Goldwin Smith (1894, 268) indica uma gama de passagens talmúdicas ilustrativas da “moralidade tribal”, do “orgulho tribal e do desprezo ao restante da humanidade” (p. 270), o que para ele é uma característica da literatura religiosa judaica. No excerto seguinte, Smith sugere que expedientes escusos podem ser usados contra gentios em processos legais, a não ser que tal prática cause dano à reputação de todo o endogrupo judeu (ou seja, à “santificação do Nome”):
Em havendo processo entre um israelita e um pagão, caso se possa justificar a causa do israelita conforme as leis de Israel, que se a justifique e seja dito: ‘Esta é a nossa lei’; do mesmo modo, caso se possa justificar a causa do israelita conforme as leis dos pagãos, que se a justifique e seja dito [à outra parte]: ‘Esta é a vossa lei’; mas se isto não puder ser feito, nós usamos artifícios para contornar o problema. Este é o parecer de R. Ishmael, embora R. Akiba tenha dito que não devemos tentar contornar a dificuldade por causa da santificação do Nome. Na consideração de R. Akiba, então, toda a razão disso [parece decorrer mesmo] da santificação do Nome, mas não ocorrendo transgressão à santificação do Nome, devemos lançar mão de logros e vencer o pagão! (Baba Kamma fol. 113a)
Smith comenta que “a crítica ao judaísmo é acusada de intolerância racial e extremismo religioso. A acusação vem, estranhamente, daqueles que se dizem o Povo Eleito, que fazem da raça uma religião e tratam todas as raças, menos a sua, como paganismo sujo” (p. 270).
[O economista, historiador e sociólogo] Werner Sombart (1913, 244-245) resumiu a natureza da lei judaica pela oposição entre endogrupo e exogrupo, assinalando que “os deveres para com [o estrangeiro] não eram compulsórios como aqueles pertinentes ao “vizinho”, aos patrícios judeus. Só pela ignorância ou pelo desejo de distorcer os fatos pode alguém dizer o contrário […]. Prevalece aí a ideia fundamental de que menos consideração é devida ao forâneo do que à gente do próprio povo […]. Na interação com outros judeus, um judeu agirá observando, escrupulosamente, um só peso e uma só medida; mas quanto aos seus negócios com os não judeus, sua consciência sempre estará tranquila, mesmo quando os ludibriar por vantagens indevidas”. Em sustentação do seu argumento, Sombart cita Heinrich Graetz, proeminente historiador judeu do século XIX:
Adulterar o sentido de uma oração, valer-se das trapaças de um advogado malandro, jogar com as palavras e condenar o que eles não conhecem […], tais são os traços que distinguem um judeu polonês. […]. A honestidade, o bem pensar, a simplicidade e a credibilidade, tudo isso ele perdeu, completamente. Ele fez de si mesmo um mestre dos saberes escolares e aplica o que sabe para obter vantagens sobre qualquer um menos finório. Ele se deleita com a ladroagem e sempre quer mais, no que sente a euforia da vitória. Porém, não assim ele trata a sua própria gente, porque os seus sabem o que ele sabe. Foi o não judeu que, para sua perda, sofreu as consequências da mente talmudicamente treinada do judeu polonês. (In Sombart 1913, 246)
Um dos precursores da Sociologia, o alemão Max Weber (1922, 250), também teve essa mesma percepção, apontando que “como um povo-pária, [os judeus] conservaram um padrão duplo de moral, uma característica de práticas econômicas primordiais em todas as comunidades: o proibido em relação à própria gente é o permitido em relação a estranhos”.
Num tópico bastante tratado nos textos antissemitas alemães do final do século XVIII e do século XIX, era preconizada a necessidade da reabilitação moral dos judeus ― a correção da falsidade deles e de sua tendência a explorar os outros (Rose 1990). Tais juízos também constavam nos escritos de Ludwig Börne e Heinrich Heine (ambos de extração judia) e outros intelectuais não judeus, como Christian Wilhelm von Dohm (1751-1820) e Karl Ferdinand Glutzkow (1811-1878), dizendo estes que a imoralidade judaica decorria parcialmente da opressão da parte dos gentios. Theodor Herzl considerou o antissemitismo como “reação compreensível às taras judaicas”, causadas estas, em última instância, pela perseguição movida pelos gentios: os judeus haviam sido educados para serem sanguessugas dotados de “maléfico poder financeiro”; eles eram “uma gente de adoradores da riqueza incapaz de entender que um homem pode agir por causa que não o dinheiro” (in Kornberg 1993, 161-162). Mais: “Sua vontade de poder e seu ressentimento para com os perseguidores só podiam conduzi-los à trapaça nas transações comerciais com os gentios” (in Kornberg 1993, 126). Theodor Gomperz, contemporâneo de Herzl e professor de Filologia na Universidade de Viena, afirmou que “a ânsia de ganho se tornou uma tara nacional [entre os judeus], assim como, pelo que parece, a vaidade (consequência natural de uma existência atomística e alheia às preocupações com os interesses públicos e nacionais)”. (in Kornberg 1993, 161).
Assim, pois, não nos deve surpreender que encontremos tão imenso número de judeus para quem os palestinos não têm valor moral. Os palestinos são vistos como não humanos, literalmente, conforme reconhecia o proeminente rabino de Liubaviche Menachem Mendel Schneerson:
O que nós temos não é um caso de alteração quantitativa pelo simples fato de uma pessoa estar num nível superior a outra. Trata-se, antes, do caso de … uma espécie totalmente diferente … O corpo de um judeu é de uma qualidade completamente diversa daquela dos góis das outras nações do mundo … A diferença da qualidade intrínseca [ao corpo] … é tão grande que os corpos poderiam ser considerados como de espécies diferentes. Por essa razão o Talmude afirma existir uma diferença atitudinal na halacha quanto aos corpos dos não judeus [por oposição aos corpos de judeus]: “Seus corpos são baldados”… Uma diferença ainda maior existe no tocante à alma. Há dois tipos contrários de alma, a alma de um não judeu vem de três esferas satânicas, enquanto a alma do judeu dimana da santidade. (Cf. aqui)
Diferentes espécies não guardam obrigações morais entre si ― predador e presa, parasitas e hospedeiros: humanos que domesticam o gado comem a sua carne e bebem o seu leite.
Essa ética difere radicalmente do universalismo ocidental tal como sintetizado no imperativo moral de Kant: “Deve-se agir somente de acordo com a máxima cuja aplicação for desejável como lei universal”. O universalismo moral é fundamental para o individualismo ocidental: os grupos de per si não têm status moral ― conceito diametralmente oposto ao judaísmo.
Os judeus apresentam-se amiúde como a quinta-essência da moralidade, mas as aparências enganam. Uma passagem da minha resenha do livro The Jewish Century, de Yuri Slezkine:
Em 1923, vários intelectuais judeus publicaram uma coletânea de ensaios na qual admitiam o “amargo pecado” da cumplicidade judia nos crimes da Revolução. Palavras de I. L. Bikerman, um dos autores: “Não carece dizer que nem todo judeu era bolchevique e nem todo bolchevique era judeu, mas também é óbvia a participação desproporcional e superlativamente fervorosa dos judeus no tormento pelo que os bolcheviques quase mataram a Rússia” (p. 183). Muitos estudiosos dos bolcheviques judeus notaram a “transformação” dos judeus: segundo um outro analista judeu, G. A. Landau, “A crueldade, o sadismo e a violência pareciam coisa estranha àquela comunidade até então muito pouco dada às atividades físicas”. I. A. Bromberg, também judeu, observou que o antigo amante oprimido da liberdade deveio tirano de inaudito despotismo. Bromberg disse que o convicto e incondicional inimigo da pena de morte ― não apenas por crimes políticos mas também pelas mais hediondas violências, aquele que não podia ver alguém torcer o pescoço de uma galinha sem chorar, transformara-se na figura exteriormente humana com roupa de couro e armada de revólver, que interiormente já tinha perdido a sua humanidade (p. 183-184). Essa “transformação” psicológica dos judeus na Rússia não era, provavelmente, tão surpreendente para os próprios russos, dada a advertência de Gorky em que os russos de antes da Revolução já viam os judeus tomados de “cruel egoísmo” e temiam a possibilidade de acabarem como escravos deles.
Pelo menos até o Genocídio de Gaza, os judeus tinham se mascarado com sucesso como modelos de moralidade e paladinos dos oprimidos no Ocidente contemporâneo. A judiaria organizada foi precursora do movimento dos direitos civis e firme defensora da política liberal em favor de imigrantes e refugiados, sempre protegida pelo disfarce retórico da superioridade moral. Destarte, claro, mantinham-se ocultas as verdadeiras motivações dadas pelo próprio interesse judaico em arregimentar não brancos como serviçais no trabalho de sapa contra o poder da antiga maioria branca, sujeitando-a ao supremacismo da política judaica, política multicultural e antibranca. (Cf. p. 26)
Isso pesa muito na minha mente. A dissimulação judaica por trás da superioridade moral é perigosa manobra delusiva, e não nos pode faltar realismo diante do que nos reserva o futuro, uma vez que os brancos continuam a perder poder político em todos os países do Ocidente. Quando as máscaras não forem mais necessárias, quando o crescente poder dos judeus no Ocidente estiver no seu maximante, não haverá limites para o que eles poderão fazer. A ubíqua propaganda multiculturalista fazendo parecer que os grupos étnicos vivem em harmonia por todo o Ocidente dará lugar, rapidamente, a uma guerra de vingança contra os ocidentais pelo alegados agravos que teriam sofrido os judeus desde a destruição do Segundo Templo pelos romanos até os eventos da Segunda Guerra Mundial. Essa mesma vingança foi fatal para milhões e milhões de russos e ucranianos. O mesmo destino estão tendo agora os palestinos diante de nossos olhos.
Dois artigos recentes tratam desse problema bem vividamente. Um deles é o de Megan Stack, publicado em The New York Times. Confira:
Israel petrificou-se no erro e os sinais disso são meridianamente claros. Promessas de aniquilação de chefes militares e políticos formulam-se em linguagem desumanizante. Pesquisas de opinião indicam aprovação às políticas que assolam Gaza a ponto de matar de fome a população gazita. Soldados judeus mostram-se alegres e orgulhos em autofotos entre as ruínas das cidades palestinas destruídas pelos bombardeios. E a repressão abate-se sobre as mais brandas formas de dissenso entre os israelenses.
A esquerda de Israel ― aquelas facções que criticam a ocupação das terras palestinas e propõem, ao contrário, a negociação e a paz ― é a pálida sombra do que antes foi um vigoroso ator político. Nos anos recentes, a atitude de muitos israelenses quanto ao “problema palestino” mudou muito do enfado e da distância para a convicção extremada de que expulsar os palestinos ou submetê-los ao jugo dos judeus seja obra de Deus.
O massacre em Gaza, a fome alastrante, a indiscriminada destruição de áreas urbanas inteiras ― isto tudo, dizem as pesquisas, é o tipo de guerra que agrada a população de Israel. Uma sondagem de janeiro constatou que para 94% dos judeus de Israel a força aplicada contra Gaza é adequada ou insuficiente. Em fevereiro, outro estudo revelava que a maioria dos judeus de Israel não aceita que alimentos e remédios sejam enviados para Gaza. Não foi Netanyahu, individualmente, mas sim todo o seu Gabinete de Guerra (inclusive Benny Gantz, amiúde citado com figura moderada para substituir Netanyahu) que, de forma unânime, rejeitou a proposta do Hamas para a libertação dos reféns e, ao contrário, lançou a ofensiva contra a cidade de Rafah, enchendo-a de civis sem-tetos.
“É muito fácil colocar a culpa por tudo nas costas de Netanyahu, porque assim todos se sentirão bem consigo mesmos e a escuridão parecerá estar em Netanyahu”, disse Gideon Levy, jornalista com décadas de experiência na cobertura da ocupação militar israelense. “A escuridão está em todos”, ele acrescenta.
Como ocorre em muitos processos políticos, o endurecimento de Israel explica-se parcialmente pela mudança geracional ― as crianças de Israel, cuja memória se encheu de lembranças dos ataques camicazes à bomba, agora são adultos. O crescimento da direita deverá ser de longa duração, por causa da demografia: os modernos ortodoxos e ultraortodoxos judeus (que votam na direita de modo desproporcional) têm mais filhos do que os seus conacionais seculares.
Ainda mais crucial é que muitos israelenses emergiram da Segunda Intifada descrentes de negociações e ainda mais adversos aos palestinos, derriçados como incapazes de aceitar a paz. Esta lógica como que cancela de forma muito conveniente o registro da participação de Israel na sabotagem do processo de paz com a captura de território e a expansão dos assentamentos. Entretanto, uma coisa maior ganhava influência ― algo que os israelenses referem como insensibilidade, alheamento em relação a toda a questão dos palestinos.
“O problema dos assentamentos e das relações com os palestinos deixou de ser considerado durante anos”, disse-me Tamar Hermann. “Para os israelenses, estava tudo bem com o status quo.”
A Sra. Hermann, pesquisadora do Israel Democracy Institute, é uma das mais respeitadas conhecedoras da opinião pública israelense. Nos últimos anos, segundo disse, os palestinos foram quase completamente ignorados pelos judeus de Israel. Ela e seus colegas vêm fazendo periodicamente listas de tópicos que apresentam às pessoas para que os disponham em ordem decrescente de importância. Os respondentes faziam diferentes escolhas, ela diz, observando que quase sempre o tópico colocado em último lugar era o da resolução do conflito israelo-palestino.
Nas duas últimas décadas ― desde o fim da Segunda Intifada até o calamitoso 7 de Outubro ― Israel conseguiu isolar-se da violência da ocupação. Mísseis lançados de Gaza choviam regularmente sobre cidades de Israel, mas desde 2011 o sistema antimissilístico chamado de iron dome interceptava a maioria deles. A aritmética da morte favorecia Israel, pesadamente: de 2008 até o 7 de Outubro, mais de 6 mil palestinos foram mortos no que a ONU considera o “contexto de ocupação e conflito”, período em que mais de 300 israelenses perderam a vida.
Organizações de direitos humanos — incluindo grupos de Israel ― escreveram relatórios explicando que Israel é um Estado de apartaide institucionalizado. O fato foi embaraçoso para Israel, mas não deu em nada. A economia prosperava, Estados árabes antes hostis se mostravam dispostos a assinar acordos com Israel, apenas ao custo de rápida e protocolar importunação quanto aos palestinos.
Aqueles anos deram aos israelenses a sensação de viver o mais elusivo sonho do Estado Judeu ― o de um mundo sem o “problema” dos palestinos.
Daniel Levy, ex-negociador israelense, agora presidindo o logocentro US/Middle East Project, fala da alta concentração de “híbris e arrogância acumuladas ao longo dos anos”. Aqueles que advertiam da imoralidade e estupidez estratégica da ocupação dos territórios palestinos “eram exonerados sem mais nem menos” e ainda ouviam o chefe dizer “aguentem firmes, hem!”.
Se as autoridades dos Estados Unidos entendem a situação da política de Israel, isso não é aparente. A administração de Biden continua a falar de um Estado palestino. Entretanto, a terra destinada aos palestinos foi tomada de assentamentos ilegais israelenses, e quase nunca como agora Israel esteve tão descaradamente contra a soberania palestina.
Não por acaso Netanyahu vive dizendo que por toda a sua carreira política ele fez de tudo para sabotar a criação do Estado palestino: este é um diferencial muito atrativo eleitoralmente. Gantz, mais popular do que Netanyahu e seu provável sucessor, segundo se diz, é um centrista nos padrões de Israel ― mas ele também sempre rechaçou as instâncias internacionais em favor de um Estado palestino.
Daniel Levy resume a clivagem entre os maiores políticos israelenses da seguinte forma: alguns acreditam que se deva “gerenciar o apartaide para dar um pouco mais de liberdade aos palestinos ― este sendo o caso de [Yair] Lapid e talvez de Gantz, dependendo do seu humor”; outros mais empedernidos, como Smotrich e o ministro da Segurança, Itamar Ben Gvir, “estão sempre ansiosos para se livrarem dos palestinos: erradicação, desterramento…”.
A matança, a crueza que se abateu sobre os judeus no 7 de Outubro deveria fazê-los ver a futilidade do seu intento de isolamento dos palestinos ao mesmo tempo que os sujeitam a todo tipo de humilhação e violência todos os dias. Enquanto os palestinos estiverem atrampados na brutalidade da ocupação militar, privados de direitos básicos e sujeitos à logorreia de que são seres inferiores e devem aceitar as coisas como estão, os judeus viverão sob a ameaça de revoltas, represálias e terrorismo. Não existe muro suficientemente grosso para barrar a marcha de um povo que não tem nada mais a perder.
* * *
Ilana Mercer é uma judia da África do Sul que tem publicado artigos em vários saites conservadores. Aqui ela fala do que não se fala sobre Israel ― e, por implicação, sobre muitos dos judeus que vivem no Ocidente: ou seja, que a sociopatia para com os não judeus predomina entre os judeus. Ninguém deve ficar surpreso com isso. Eu só reclamaria de um detalhe quanto à diferença entre judeus e sociopatas e é que os verdadeiros sociopatas não têm culpa e quando praticam o mal por prazer não levam em conta a religião ou a etnia das vítimas. Já esses judeus que tripudiam na farra de trucidar palestinos são patriotas e amam o seu povo. Eles seguem uma forma extrema de moralidade intragrupal ― uma moralidade estreitamente ligada ao que chamo de “hiperetnocentrismo” judaico.
Vejamos o que escreveu Ilana Mercer no saite Lew Rockwell.com sob este título: “Sad To Say, but, by the Numbers, Israeli Society Is Systemically Sociopathic” [Infelizmente os números dizem que a sociedade de Israel é sistematicamente sociopática (N. do T.)], abaixo:
Ao separarmos o certo do errado, devemos distinguir entre os atos que são delitos apenas porque foram criminalizados pelo Estado (mala prohibita) e outros que são forma universal do mal (malum in se). A devastação que Israel causa em Gaza é um malum in se, um mal universal. Não há nenhuma dúvida em termos de ética quanto à natureza do que se passa em Gaza. O mal do genocídio que tem lugar em Gaza não é relativo, contornável, nunca poderá ser atenuado ou coonestado.
Em Israel, entretanto, nenhuma atrocidade perpetrada pelas forças armadas judaicas, por mais evidente que seja, deixará de ser ignorada. Uma das mais eminentes autoridades em Gaza, o Dr. Norman Finkelstein chama Israel de “Estado lunático”. “Não se trata, certamente, de um Estado Judeu”, ele assegura. “Uma nação assassina, uma nação demoníaca”, brada Scott Ritter — lendário, importantíssimo especialista militar americano. Aliás, eu venho citando os relatos que faz Scott Ritter dos teatros de guerra, sempre preditivos e confiáveis, desde 2002. Não há dúvida quanto a ser o Estado Judeu um Estado genocida. Mas e a sociedade de Israel? Ela também é doente? E os manifestantes que enchem as ruas das cidades de Israel, protestando contra o governo? Como eles sentem o massacre incessante de escala industrial, a campanha para matar de fome toda uma população no norte, centro e sul de Gaza?
Eles não sentem.
Eu busquei desesperadamente a humanidade universal, uma sensibilidade moral transcendente entre as massas de israelenses que se agitavam contra o Estado. Eu esquadrinhei muitos documentos durante sete meses. Eu consegui assistir até o final a uma quantidade enorme de longos vídeos, procurando neles uma palavra, um cartaz dos manifestantes que fizesse menção à guerra de extermínio travada em nome deles contra os seus vizinhos de Gaza. Não encontrei nada! Para o meu assombro, não deparei nem um só manifestante que bradasse em favor de alguém que não ele mesmo e seus parentes, outros colonos e seus reféns. Os israelenses parecem alheios à assolação indizível, irreversível, irremediável tendo lugar tão próximo deles.
Enfatizo: não achei sinal de nenhuma humanidade transcendente nos judeus; nenhuma referência à ordem moral universal de que a lei humanitária internacional, a lei natural e o sexto mandamento são expressão. Entre os judeus de Israel, encontrei apenas a incessante externação de seus próprios interesses sectários.
A depender dos manifestantes, bastaria que houvesse mera mudança de regime. Eles fazem pesar sobre os ombros de Netanyahu apenas a responsabilidade pelos reféns encafuados em Gaza, embora Benny Gantz (National Unity Party) ― o ostensível rival de Netanyahu (Likud) ― e outros membros do Gabinete de Guerra sejam todos, filosoficamente, um só. (Ganz vangloriava-se, em 2014, que iria “mandar Gaza de volta para a Idade da Pedra”.) Quanto ao holocausto palestino perpetrado na Faixa e que se vai estendendo para a Cisjordânia, não existe dissensão entre esses e outros sórdidos supremacistas judeus na “dirigência de Israel em estado de guerra”.
Se o leitor duvida de minhas conclusões sobre os manifestantes judeus, deve reparar no discurso monótono do dia 11 de maio da manifestante Na’ma Weinberg, que exigia mudança de governo. Weinberg condenava a invasão de Rafah e a falta de estratégia política como ameaças aos reféns e à sobrevivência nacional. Ela lamentou a “inexprimível tortura” que sofrem os reféns. Quando Weinberg falou dos “evacuados negligenciados”, eu fiquei aliviada. 900 mil palestinos tinham sido deslocados de Rafah nas duas últimas semanas. Isto correspondia a 40% da população de Gaza. Minha esperança decorrera de ledo engano. Logo ficou claro que Weinberg falava dos cidadãos de Israel evacuados dos assentamentos próximos à fronteira. As simpatias de Weinberg não envolviam as vítimas palestinas do “matadouro de civis” em operação na vizinhança. A sensibilidade dela mostrou-se como de um baixo tipo sectário.
A sombria frialdade dos manifestantes judeus tem sido amplamente notada.
Escrevendo para a Foreign Policy, revista do estabilismo americano, Mairav Zonszein, acadêmico do International Crisis Group, observa o seguinte:
Os milhares de israelenses que mais uma vez se juntaram para marchar nas ruas não estão protestando contra a guerra. Com exceção de ínfima porção de israelenses, judeus e palestinos, eles não reclamam uma trégua ― ou o fim da guerra. Eles não externam nada contra a matança sem precedentes de palestinos em Gaza ou contra as restrições à ajuda humanitária, que levaram a fome à população gazita. (Os judeus foram ainda mais longe, chegando a bloquear estradas para que os caminhões de ajuda não entrassem em Gaza, e caminhões que romperam o bloqueio foram incendiados.) Passadas tantas décadas desde a tomada da Palestina, os judeus nem cogitam na necessidade de encerrar a ocupação militar. Eles apenas contestam a recusa de Netanyahu de se demitir e o que veem como a relutância dele em acordar a liberação dos prisioneiros judeus.
A animosidade guerril é publicamente incitada e avança em ritmo acelerado. Declarações em pró do genocídio é o que mais se ouve na sociedade judaica. O “amável” Itamar Ben Gvir continua a renovar o repertório das suas brutalidades daquele tipo que os sul-africanos documentaram tão bem. Em 14 de maio, para o entusiasmo da multidão de judeus, o ministro da Segurança Nacional de Israel encarecia que os palestinos fossem estimulados a emigrar voluntariamente (como se tudo o que os judeus fizeram contra os civis palestinos desde o 7 de Outubro tivesse sido aceito “voluntariamente”). Ele falava num comício dos colonos na fronteira norte de Gaza, onde milhares de lorpas assistiam aos “fogos de artifício” sobre Gaza, exultantes por saquear a terra dos que ali tinham morrido ou estavam morrendo.
“A culpa é da mídia”, o leitor dirá. “Os judeus de Israel, como os americanos, simplesmente tiveram o cérebro lavado pela mídia deles.”
Não há negar que a mídia de Israel ― desde o Arutz 7 e o Channel 12 ([Os gazatas devem] “morrer lenta e dolorosamente”) até o Israel Today e o Now 14 (“Nós vamos exterminar vocês e os seus apoiadores”), e os vulgares bestalhões do i24 — forma-se de uma caterva convulsiva de idiólatras obsessionados.
Essa mídia é um antro de gente exaltada e de muita loquacidade. Esses judeus inculcam o seu tribalismo atávico e primitivo, vazado numa linguagem feia, anglicizada, uma espécie de língua geral hebraica. Pernósticos, cada um deles tem uma explicação para tudo segundo sua própria “teoria”.
Naveh Dromi é mais atraente de rosto e de voz do que a apresentadora do i24 Benita Levin, uma sul-africana birrenta e faladeira. Dromi é colunista do Haaretz, um diário que já foi considerado o de mais elevado nível intelectual da centro-esquerda de Israel. Ocorre que o Haaretz perdeu o lastro intelectual que um dia já teve. Escrevendo num hebraico bem pouco castiço, Dromi expôs o núcleo de sua “teoria” particular e é que uma “segunda Náqueba” estaria a caminho. Ela também já falou mais do que o homem da cobra sobre serem os palestinos um “grupo supérfluo”. Mas nada disso chega a ruborizar o seu bonito semblante.
Quejandas afirmações de supremacia judaica sempre ressoam na mídia de Israel. Mas, não, a culpa não é da mídia deles. Na verdade, a cerração mental dos judeus é inteiramente voluntária.
Segundo artigo saído na Oxford Scholarship Online, o “panorama da mídia em Israel” mostra “salutar competição” e concentração decrescente. A mesma fonte afirma que “o número de publicações está entre os mais altos do mundo”.
Israel conta com uma forte mídia de propriedade privada. Esses meios atendem ao que deles espera o público israelense, que presta todas as deferências às forças armadas, pois aí as famílias têm os seus filhos e filhas como militares. Por isso é que Gideon Levi insiste em declarar que a militaria é o bezerro de ouro de Israel.
Acontece, Levi insiste, que a opinião pública majoritária molda a mídia, e não ao contrário.
Levi confirma que as mídias da extrema direita e extrema esquerda são como uma só quando se trata da questão envolvendo as forças armadas judaicas e o povo palestino. E quanto a isto a mídia de Israel reflete a opinião predominante entre os judeus. O público judeu não quer saber de nada do padecimento imposto à população gazita e sempre trata com muito cuidado os seus militares, evitando críticas e questionamentos. Da perspectiva deles, os jornalistas militares são meros prestadores de serviço de relações públicas às forças armadas, gente íntima da militaria que poderia estar na cama com os soldados.
Pelo menos até este momento, os israelenses têm estado amplamente indiferentes à farra de seus militares no indiscriminado derramamento de sangue em Gaza. A maioria dos judeus só quer ter de volta os seus reféns. Além disso, apenas deseja a continuidade do massacre, com algumas pausas na matança para descanso e diversão.
Então, a sociedade dos judeus de Israel está doente, também?
Quando “88 por cento dos judeus israelenses entrevistados” fazem “uma avaliação positiva da atuação das forças armadas judaicas em Gaza até agora” (Tamar Hermann, “Guerra em Gaza ― Pesquisa 9”, Israel Democracy Institute, 24 de janeiro de 2024), e “uma absoluta maioria (88%) também justifica o número de baixas do lado palestino” (Gershon H. Gordon, The Peace Index, janeiro de 2024, Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Telavive) — procede a conclusão de que as diabólicas Forças de Defesa de Israel expressam a voz da comunidade israelojudaica.
Seja considerado o seguinte: lá pela altura de janeiro, a Faixa de Gaza já se tinha tornado inabitável, parecendo paisagem lunar. Não obstante, 51 por cento dos judeus de Israel disseram que a força empregada contra Gaza era adequada, e outros 43 por cento disseram que era insuficiente. (Fonte: Jerusalem Post, “Jewish Israelis believe IDF is using appropriate force in Gaza”, 26 de janeiro de 2024.)
Nota: a pesquisa de opinião não revelou uma divisão entre judeus favoráveis ao genocídio e judeus contrários ao genocídio. Antes, a divisão na sociedade do Estado Judeu separava os judeus satisfeitos com os níveis correntes de genocídio de outros judeus para quem o genocídio deveria matar mais gente em menos tempo, e isto quando a produtividade da matança já alcançara escala industrial, dado o emprego de métodos de extermínio altamente destrutivos.
As atitudes dos judeus devieram ainda mais agressivas desde então: em meado de fevereiro, 58 por cento dos judeus em Israel rosnavam que era preciso usar de mais violência contra Gaza; e 68 por cento “não aceitavam que ajuda humanitária fosse levada a Gaza”. (Jerusalem Post, “Majority of Jewish Israelis opposed to demilitarized Palestinian state”, 21 de fevereiro de 2024.) [Uma hipótese plausível: a plataforma de Biden para ajuda humanitária na praia de Gaza ― que logo depois de instalada acabou no fundo do mar ― terá sido sabotada.]
Há no caso mais do que a violência da guerra. Na verdade, as atitudes dos judeus levam a marca da sociopatia de toda a sua sociedade.
Quando se perguntava sobre “a extensão em que o planejamento da guerra contra Gaza deveria levar em consideração o sofrimento da população palestina”, os judeus entrevistados deram mostra de uma mesma reação consistente desde o final de outubro de 2023 até o final de março de 2024. A pesquisa do Israel Democracy Institute atestou o seguinte quanto a isso:
Apesar do desenrolar da guerra em Gaza e das duras críticas da comunidade internacional a Israel pelos males causados à população palestina, larga maioria dos judeus continuava achando que o sofrimento dos palestinos não era digno de consideração por parte de Israel. Ao contrário deles, uma maioria equivalente de árabes em Israel achava que o padecimento palestino devia ser levado em conta. (Tamar Hermann, Yaron Kaplan, Dr. Lior Yohanani, “War in Gaza, Survey 13”, Israel Democracy Institute, 26 de março de 2024.)
A ampla maioria no centro do espectro político em Israel (71%) e na direita (90%) diz que “Israel deve ter pelo sofrimento da população palestina alguma mínima consideração ou nenhuma consideração”.
Terminemos, porém, esta nossa exposição com uma “boa” notícia. E é que no “coração sangrante” da esquerda de Israel “apenas” (estou sendo cínico) 47 por cento “julgam que Israel não deve levar em conta o sofrimento dos civis palestinos em Gaza ou que deve ter alguma mínima consideração, enquanto 50 por cento julgam que a consideração pelo transe palestino deve ser grande ou muito grande”. (Ibid.)
Em outras palavras, a opinião prevalecente na esquerda judaica de Israel é que a dor dos gazitas deve ser considerada, mas não necessariamente suprimida.
Na realidade, e como mostrei tão tristemente aqui, o Estado Judeu e a sociedade judaica são ambos movidos pela supremacia judia. E os supremacistas judeus não atribuem quase nenhum valor, quando atribuem algum valor, às vidas e às aspirações dos palestinos. […]
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Insisto neste ponto: qualquer estudante da história judia, da ética judia e do hiperetnocentrismo judeu não ficará surpreso com nada disso. O nosso problema existencial consiste em conseguirmos evitar o destino que foi o de russos, ucranianos e palestinos. Os judeus, uma vez que detenham o poder, farão de tudo para obstar os interesses dos góis em qualquer sociedade onde residirem, ou pela promoção de políticas antinacionais em favor de imigrantes e refugiados, ou ― no caso de que detenham o poder total ― pela reclusão, pela tortura, pelo genocídio…
O contraste entre a hiperetnocêntrica mídia israelense descrita por Mercer e a mídia antibranca, utópica e multicultural do Ocidente, em grande parte de propriedade de judeus, não poderia ser maior. Enquanto a mídia de Israel reflete o etnocentrismo do público judeu, a mídia no Ocidente dá o máximo de si para induzir atitudes públicas, apelando constantemente e cada vez mais à difusão de mensagens antibrancas ― mensagens de teor moral de impacto efetivo sobre grande parte da população branca, especialmente mulheres, provavelmente devido às peculiares culturas individualistas do Ocidente (cap. 8). A condição da mídia ocidental é a prova mais evidente de que os judeus constituem uma elite hostil no Ocidente.
A esta altura, deve estar claro que as culturas ocidentais são antípodas das culturas da Ásia Ocidental, onde o etnocentrismo e o coletivismo reinam. Os ocidentais não consideram tanto as suas relações em termos de endogrupo e exogrupo, o que, pelo contrário, é traço típico da cultura judaica ao longo de toda a história.
O individualismo não nos beneficiou em quase nada e foi um desastre para os povos ocidentais. Na conjunção que se nos depara, só uma forte consciência endogrupal nossa, advertida da ameaça do poderoso e perigoso exogrupo judeu, poderá nos salvar agora.
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Fonte: The Occidental Observer | Autor: Kevin MacDonald | Título original: The Extreme Hyper-Ethnocentrism of Jews on Display in Israeli Attitudes toward the Gaza War | Data de publicação: 18 de maio de 2024 | Versão brasilesa: Chauke Stephan Filho.