Rafael del Moral: O futuro das línguas da Europa

By Rafael del Moral.

A força de uma língua está no número de falantes monolíngues que a mantém viva, como também na quantidade de estudantes interessados em aprendê-la, sem que ninguém os obrigue a isso. Esta demanda justifica a utilidade da língua.

Bruxelas envida esforços para estimular o plurilinguismo, buscando despertar nas pessoas a consciência dele enquanto ferramenta profissional e intercultural, bem assim como forma de preservar as culturas e assegurar sua subsistência. Investe cerca de 30 milhões de euros, anualmente, para promover o ensino de idiomas por meio de programas como o Sócrates e o Leonardo da Vinci, executados pelo Instituto Cervantes e outras instituições reunidas na rede Eunic (European Union National Institutes for Culture). Mais da metade dos europeus pode se entender, com desigual proficiência, falando duas das 24 línguas oficiais da União Europeia. O par mais frequente é formado por uma língua continental mais o inglês.

Devemos lembrar que a relação entre línguas e Estados nem sempre é biunívoca, ou seja, a um Estado podem corresponder várias línguas e vice-versa. Há línguas internacionais, como o espanhol e o francês; línguas nacionais, como o polonês e o húngaro; regionais, como o galês, o catalão e o bretão; locais, como o aranês e o corso. Há línguas decadentes, como o labortano e o suletino, que são variantes do vasconço, as quais aproximam-se da extinção; e há línguas moribundas, a exemplo do cassúbio, em dezenas de milhares de bocas, ou menos, no Norte da Polônia. Algumas línguas servem à comunicação familiar; outras, à vida social ou cultural, quase sempre as mais arraigadas na tradição educativa; outras, ao desenvolvimento científico; outras, ainda, muito poucas, servem a tudo isso ao mesmo tempo.

Nós chamamos as pessoas que falam uma língua própria mais outra adquirida de bilíngues. Causa certa estranheza saber que os europeus herdam duas línguas próprias: uma familiar e outra sociocultural. É o caso do galês que fala inglês, ou do siciliano que fala italiano durante boa parte de seu cotidiano. Esses, nós chamamos de ambilíngues, porque dois idiomas compõem seu patrimônio linguístico. O falante monolíngue, não obstante, serve-se de uma só língua na comunicação familiar, social, laboral, comercial e cultural.

Os falantes monolíngues são monolíngues porque herdaram línguas como o inglês, o espanhol, o francês, o russo, línguas que não precisam do apoio de nenhuma outra língua. Os falantes ambilíngues também contam com uma dessas línguas, porque sua outra língua não é suficiente. O falante de bretão sabe francês, língua também própria, para sair à rua. Este também é o caso do vasconço, que se completa com o francês, no Norte de seus domínios, e com o espanhol, no  Sul.

As línguas expandem-se e se contraem independentemente de qualquer controle, o que não chega a ser estranho. Os usuários buscam eficácia, as línguas que se lhes antojam mais promissoras sob tal aspecto ganham, naturalmente, seu interesse. As línguas que precisam de outras para ampliar a comunicação de seus falantes existem numa condição de submissão, obrigadas ao ambilinguismo, achaque irreversível que não acaba com a língua, mas empana o seu brilho.

Línguas insuficientes

A Europa está salpicada de línguas que vivem na boca de falantes que ampliam suas possibilidades de comunicação graças ao fato de disporem de outra, também própria. Línguas nas mais fortes condições de dependência são o vasconço, o catalão, o galego, o bretão, o galês, o siciliano, o sorábio, o cassúbio, o tártaro, idiomas de isoglossa tão curta que seus falantes utilizam com a mesma destreza o espanhol, o francês, o inglês, o italiano, o alemão o polonês e o russo, respectivamente.

Dependência lamentável em relação ao inglês mostram o danês, o sueco, o norueguês e o islandês, línguas escandinavas presentes nos ambientes familiares, cívicos e sociais, mas não tanto nos meios culturais. Somam-se a esse grupo, pelas mesmas razões, o finês e, em grande medida, o holandês.

Algumas línguas de países da órbita da antiga União Soviética, como o bielorruso e o ucraniano, servem-se do russo. O estoniano, o letão e o lituano tentam se livrar do russo, não sem dificuldades, para se servirem do inglês como língua complementar. A população de etnorrussos coloca-se como pedra no caminho da transição.

As línguas centro-europeias cobrem as relações familiares, sociais e boa parte das culturais de seus falantes, mas não completamente. O que falta fica a cargo do inglês, língua de conhecimento obrigatório em distintos níveis. Elas são o polonês, o checo, o eslovaco, o esloveno, o croata e o sérvio, entre outras. Esses falantes de línguas eslavas mostraram-se todos muito afoitos em trocar o russo pelo inglês, o que também se passou com o romeno e o húngaro. O albanês e o grego também se incluem nesse grupo. Estas línguas contam com mais falantes monolíngues do que as do primeiro grupo e cobrem razoavelmente o seu entorno.

Línguas independentes

Cabe agora referir as línguas livres ou independentes da Europa, aquelas, pois, que mais e melhor têm garantidas as condições de sua sobrevivência e elas são quatro línguas neolatinas: o espanhol, o francês, o português e o italiano, além de uma eslava, o russo. Entre os seus falantes aparecem aqueles que em menor medida se servem do inglês em sua vida diária, ainda que o devam conhecer, nem que seja em nível elementar. E restam duas línguas germânicas também independentes, o alemão e o inglês. Esta última dispensa comentários. Os anglófonos, os mais monolíngues do planeta, alhearam tanto de outras línguas a ponto de esperar que todos se dirijam a eles em inglês.

Pode haver intervenção para manter mais ou menos vivas as línguas que se apoiam em outras, mas nem por isso elas passarão a ser línguas livres. Seu futuro está, pois, menos garantido, porque os falantes buscam o necessário e descartam o acessório de que não precisam.

Se levarmos em conta que a comunicação se unifica, naturalmente, com o ambilinguismo, fica fácil entender que só algumas quantas línguas restarão como ferramentas indispensáveis de seus falantes. Essas são as línguas que estarão na boca de 800 milhões de europeus.

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Fonte: El Manifiesto. Autor: Rafael del Moral. Título original: El futuro de las lenguas de Europa. Data de publicação: 13 de janeiro de 2023. Versão brasilesa: Chauke Stephan Filho.