O que é a Nova Direita
Javier Ruiz Portella: O que é a Nova Direita
O diretor de El Manifiesto, Javier Ruiz Portella, estreou-se como colaborador da seção “Ideas” de La Gaceta de la Iberosfera. O artigo abaixo foi a primeira entrega dele. Confira!
Corria o ano de 1968. Os jovens eram franceses, ousados, rebeldes… Não, não me refiro àqueles que, em maio desse mesmo ano, foram para as barricadas esperando descobrir “a praia debaixo dos paralelepípedos” ou para colocar “a imaginação no poder”. Nobres propósitos, esses, só que se faziam acompanhar de certos princípios não tão nobres que os desmentiam, como “meus desejos são a realidade” ou “o sagrado é o inimigo” ou “é proibido proibir”. Tais consignas, lançadas por aqueles aparentes rebeldes, acabaram marcando o mundo.
Uma breve revisão da história
Os jovens cuja rebeldia nada tinha de aparente eram outros, e vamos contar a história deles agora. Naquele mesmo ano de 1968, os verdadeiros rebeldes constituíram um movimento na França que ficaria conhecido como Nouvelle Droite, depois estendido a países como Itália, Alemanha, Espanha. [1]
Rebeldes naquele tempo, eles continuam sendo rebeldes até hoje. Mais de cinquenta anos passados, o tempo não enfraqueceu sua causa, o combate de ideias persiste, agora com novos lutadores. Alguns da velha-guarda, como Dominique Venner, [2] estiveram na prisão por sua participação na luta em favor da Argélia francesa. Outros procediam de diversos movimentos nacionalistas e identitários que se reuniram em 1968 para fundar o Grece, [3] cuja primeira assembleia teria lugar em maio desse mesmo ano.
Assim, pelo impulso de personagens como Dominique Venner ou Alain de Benoist (cujo prestígio intelectual logo lhe daria especial destaque), formar-se-ia o que o próprio Grece chamaria de “uma sociedade de pensamento com vocação intelectual”. Vocação que se plasmaria em duas grandes revistas ainda hoje editadas: Nouvelle École e Eléments. Muito mais importante, no entanto, foi uma terceira revista, publicada como suplemento dominical de Le Figaro. Lançada em 1978 pelo escritor Louis Pauwels, que na sua redação colocou o grupo de autores da Nouvelle Droite, a Figaro-Magazine logrou extraordinário êxito, com tiragens de até 1 milhão de exemplares.
Isso significava a saída das catacumbas, lugar onde costumam estar enclausuradas as publicações antissistêmicas. É claro que o sistema não gostou dessa história, então os seus periódicos de esquerda (Le Monde, Le Nouvel Observateur, Le Canard Enchaîné…) lançaram feroz campanha de demonização em 1979. Por conseguinte, vieram as habituais calúnias sobre racismo, fascismo, xenofobia e quejandas denúncias. Depois, foi a vez das “sanções” financeiras, com as grandes empresas do Sistema ameaçando cancelar as verbas de publicidade consignadas a Le Figaro. Diante disso, a direção do periódico viu-se obrigada a descontinuar a linha crítica, e a Nouvelle Droite perdeu os meios capazes de dar maior repercussão às suas mensagens na sociedade.
O pensamento da Nova Direita
Se uma só palavra pudesse resumir o pensamento da Nova Direita, seria a palavra “Identidade”. Não qualquer identidade, mas sim a identidade coletiva, comunitária, orgânica. A identidade afirmante de que só arraigados no justo, no belo e no verdadeiro os homens podem existir; apenas com base no que decantou a História e a Tradição pode o sentido desenvolver-se plenamente em todo o mundo.
Isso é exatamente o contrário do que preconiza a modernidade e, sobretudo, a pós-modernidade. Essa é a antítese do que pretende o individualismo atomista que tão bem expressavam aqueles moços do Maio de 68. Depois de terem proclamado que “é perigoso ser herdeiro”, decretaram “o estado de felicidade permanente” a fim de poder “gozar aqui e agora”, convencidos como estavam de que só “meus desejos são a realidade”, pois “Deus sou eu” e “o Estado é cada um de nós mesmos” e assim por diante.
Preparavam-se aí os atuais delírios do vigilismo (wokismo), todo esse sem-sentido de dizer que a Natureza não é nada, como também a Tradição, pois cada um é o que deseja ser: uma mulher nascida homem, um homem nascido mulher. Nada há fora do desejo (mas, se houver, será coercitivo, repressivo: destruamo-lo!). Tudo é líquido, tudo flui, nada se impõe, tudo é insubstancial.
Foi então que começaram os nossos males? Não. A partir daí eles se exacerbaram, mas sua origem vem de muito mais longe. A pós-modernidade leva ao extremo tanto o atomismo individualista quanto a perda de substância de um mundo que, desde há um par de séculos ― com o triunfo do pensamento ilustrado ― começou a ignorar tudo quanto tivesse o cheiro de alguma coisa firme, substancial, sagrada.
Condensada em sua essência, essa é a impugnação que a Nova Direita lança contra o espírito que marca os nossos tempos. Esta é uma impugnação de fundo, de raiz, não apenas deste ou daquele aspecto ou questão. Ela alcança, igualmente, outras questões intimamente ligadas às anteriores. Como a impugnação do capitalismo, que é colocado na picota, não pelas ânsias igualitárias próprias do socialismo, mas pela desmesurada cobiça que domina todos ― os trabalhadores, as classes médias e os próprios capitalistas ― submetendo-os ao império da produção, da mercadoria e do consumo.
E, na picota com o capitalismo, está o liberalismo, seus dois grandes componentes, o individualismo atomista, que acabamos de ver, e o igualitarismo. Este é um chamariz, uma forma aparentemente interessante de tratar os desiguais como iguais que escamoteia as profundas desigualdades entre os homens, cujos conflitos só se aplacam graças à riqueza gerada pelos enormes progressos da Técnica.
Mudar o mundo
Do que acima vai dito decorre consequência óbvia. O que a Nova Direita faz não é impugnar tais ou quais políticas, criticar este ou aquele governo, um ou outro partido. Críticas devem ser feitas, claro. E já se fazem, de forma até demolidora. Porém, a crítica da Nova Direita tem outro objetivo.
A vitória em algumas eleições, a mudança de governo, o triunfo, por exemplo, do Vox na Espanha ou do Rassemblement National na França ou do Fratelli d’Italia ou de Orban na Hungria, isso tudo marca avanços importantes, indispensáveis. Ocorre que o essencial não está aí.
O que está em questão não é mudar o governo X ou Y. Trata-se, antes, de mudar o mundo.
E mudá-lo significa transformar a visão do mundo que rege nossa existência, modificar o imaginário, a sensibilidade, os sentimentos e valores que articulam nossa concepção do mundo, nossa escala do bom, do justo e do belo. Na escala sendo usada hoje, nada é sagrado, só importa o econômico, nela o belo vai sendo substituído pelo feio ― haja vista o caso da “arte” contemporânea ou de tantos de nossos edifícios.
Isso implica, obviamente, uma transformação revolucionária. Ao mesmo tempo, porém, essa mudança radical é, paradoxalmente, uma mudança conservadora. Diferentemente do que se passou nas grandes revoluções como a francesa ou a bolchevique, não se pretende aqui abrir páginas em branco na História para escrevê-las com sangue, rios de sangue. A nossa “revolução conservadora” ― perdoem o oxímoro ― quer, ao contrário disso, arraigar-se na História, conservar o que nela se depositou, manter vivo o essencial de nossa tradição e civilização.
Então, como se trata de mudar mentalidades, nestas estará o foco de sua ação. Por isso a Nova Direita não disputa eleição e não desenvolve as suas atividades no âmbito da política propriamente dita.
A sua atuação tem lugar no campo a que se dá, por tal razão, o nome de “Metapolítica”.
Basta ler as publicações da Nova Direita (Éléments, Krisis ou Nouvelle École na França; El Manifiesto na Espanha), basta ver los programas da TV-Libertés, ler os livros de Éditions de La Nouvelle Librairie, ou considerar os temas abordados no Colóquio que, com assistência massiva, o Institut Iliade organiza a cada ano. Quem o fizer não encontrará nada parecido com proclamações, panfletos, programas eleitorais, discursos de propaganda. Deparar-se-lhe-ão, em vez disso, reflexões filosóficas, políticas ou artísticas, bem assim análises sobre o que está em jogo em questões candentes como a guerra da Otan contra a Rússia, a “Grande Substituição” (a grande invasão migratória na Europa), as aberrações da “arte” contemporânea, os delírios vigilistas ou as violações que perpetra a ditadura do politicamente correto contra a liberdade de expressão.
A Nova Direita abraça a liberdade de expressão com toda a sua alma, essa mesma Nova Direita que os adversários chamam de retrógrada e fascista. Uma das formas como defende a liberdade de expressão consiste em abrir as suas publicações a intelectuais de grande prestígio, mas não pertencentes à sua família de pensamento. Citamos, por exemplo, Silvain Tessson, Alain Finkielkraut, Éric Zemmour, Michel Onfray e Marcel Gauchet, entre outros.
A Nova Direita é realmente de direita?
Há duas direitas: a liberal e a conservadora, mas a nenhuma dessas pertence a Nova Direita.
As diferenças entre ambas são hoje mínimas; mas não era assim em outros tempos, quando o liberalismo (veja-se o exemplo de nossas guerras carlistas) opunha-se frontalmente ao conservadorismo daqueles que, na reação contra ele, receberam o nome de “reacionários”.
Com nenhuma de ambas as direitas se identifica aquela que, por isso mesmo, é chamada de “nova”. Já ficou suficientemente clara sua oposição à direita liberal. Quanto à conservadora, a Nova Direita comparte, sim, algo de seu espírito, na suposição ― cada vez menos provável ― de que os atuais conservadores seguem conservando certo apego a coisas como tradição, hierarquia e autoridade (que não se deve confundir com arbitrariedade).
Duas coisas, entretanto, não permitem assimilar a Nova Direita ao espírito conservador ou reacionário. Em primeiro lugar, o seu questionamento muito revolucionário da atual ordem do mundo. A tal ponto chega a sua crítica, que alguns são levados a perguntar se não seria legítimo assimilar sua denúncia dos desmandos capitalistas à denúncia que faz a própria esquerda revolucionária. Não. Semelhante assimilação seria ilegítima, pois equivaleria a ignorar que ambos os questionamentos partem de perspectivas diversas e contrárias, assim como são os seus objetivos.
Em segundo lugar, a consideração de que o fundamento do mundo está no transmundo de um Além sobrenatural, e isto nenhum espírito reacionário que se tenha por sério e verdadeiro poderia ignorar. Para o autêntico pensamento conservador, Deus não está morto nem pode morrer.
E para a Nova Direita?
A Nova Direita e o divino
Ai! por que tardas? e aqueles, filhos dos deuses, / Vivem ainda, ó dia! como nas profundas da terra, / Solitários, lá baixo, enquanto aqui uma primavera eterna / Passa como sonho, sem que ninguém a cante, sobre as cabeças dormentes? (HÖLDERLIN ― O arquipélago)
Voltamos a deparar aqui uma dessas dualidades, um desses “abraços de contrários” (como o da “revolução” que é, ao mesmo tempo, “conservação”) que, longe de nos lançar na obscuridade, abre para nós as portas do sentido e da significação.
Para a Nova Direita — profundamente moderna, como é na realidade ― o mundo deixa de ter seu fundamento em qualquer transmundo sobrenatural. Também para ela, “Deus está morto”. Ao mesmo tempo, porém ― profundamente antimoderna, como também é ― a Nova Direita considera indispensável que “o divino” retome o seu lugar no mundo. Se não fosse assim estaríamos incorrendo na condenação de que nos advertiu Heidegger ao dizer que “só um deus pode nos salvar”. [4]
Porém, que deus? Que alento sagrado? Que ordem divina?
A resposta parece evidente. Esta ordem divina é a do cultus deorum de nossas origens gregas e romanas. Os deuses que o cristianismo derrotou “continuam vivendo ― dizia Hölderlin ― nas profundas da terra”. Entretanto, “ninguém os canta”, aditava. Cantar nossos antigos deuses, reivindicar essas divindades que na essência, dizia Dominique Venner, são «com frequência, transposições das forças da natureza e da vida”, é o que faz a Nova Direita ao reivindicar uma transcendência que, ao mesmo tempo, é imanência, ou seja, assunto deste mundo, do único mundo existente, não de nenhum Além ― e esta é a sua divergência fundamental com o cristianismo.[5]
Como é possível ― perguntará o leitor surpreso ― que um pensamento tão elaborado como esse possa acreditar em Zeus, Apolo, Afrodite, Poseidão, Atena e todos os demais? Nosso leitor equivoca-se. Não se trata de “acreditar”, trata-se de significar, de simbolizar. “Para se pagão ― escreve Alain de Benoist — não é preciso ‘acreditar’ em Júpiter ou Odin (o que não é, não obstante, mais ridículo do que acreditar em Javé)”. Em outras palavras, não é a existência real, efetiva dos deuses o que proclama a Nova Direita. Ninguém acha que Zeus, agitando seu feixe de raios, lance-os sobre a terra; que Afrodite tenha surgido como espuma das águas de Chipre; ou que um furioso Poseidão rompa a terra com o seu tridente e provoque terremotos, afundamentos e naufrágios. Isso tudo são mitos. Todo o paganismo vive infundido no mítico. Ocorre que um mito ― como os mitos cristãos, inclusive ― é coisa tremendamente séria. Fundamental, mesmo.
Que os deuses existam algures fora do espírito humano, no alto do monte Olimpo ou noutro lugar qualquer, é tão pouco credível como a existência do Deus da Bíblia no alto dos seus céus.
E, não obstante, os deuses da Grécia, de Roma e de outros povos europeus são afirmados, reivindicados como um culto ― nisso consistia o paganismo: num culto ― pelo qual a Nova Direita expressa vivas simpatias. Como é que pode?
Como é possível ser pagão, perguntava Alain de Benoist num famoso livro tendo esse pergunta por título. Se isso é possível, é porque uma coisa é a crença em Deus ou em deuses; e, outra, o sentimento, a aura do sagrado na sociedade que o celebra e lhe rende culto. Só se pode ser pagão; ou, mais amplamente, só pode renascer hoje o valor do sagrado ― da religião que for ― no caso de verificada uma ou outra de duas condições: que os mitos sejam reconhecidos como mitos ou que a existência ― mítica ou real ― do divino fique a flutuar, impronunciada, nas águas do indeterminado.
O não crente ou o crente, tomando os mitos como mitos ou como a realidade mais real de todo o real, o que não se pode fazer ― se quisermos “nos salvar”, diria Heidegger ― é o que faz o nosso tempo: encurralar “o divino”, excluir o “sagrado”, apagar essa luz que, entre esplendores e sombras, significa e faz vibrar todo o insondável, todo o esplendoroso mistério de nossa existência de homens destinados à vida. O mesmo é dizer que estão destinados à morte.
Sim, eu sei, é difícil, complexo enfocar as coisas nesses termos. Talvez seja até impossível, dada a inércia e o peso do social.[6] Em todo caso, a questão é tão complexa e apaixonante como, por exemplo, a que coloca Miguel Ángel Quintana Paz quando, distinguindo entre o Cristianismo e a Cristandade, reivindica o renascer desta última, ou seja, o ressurgimento de princípios sagrados ― “intangíveis”, “substanciais”, dizíamos antes ― que presidam o mundo, sendo por outra parte indiferente a que se creia (ou não) no corpo de dogmas da Igreja, na verdade efetiva dos relatos bíblicos e na intervenção divina nos assuntos de homens absolvidos ou condenados, premiados ou castigados por toda a eternidade.
NOTAS:
[1] Na Espanha, a Nova Direita esteve representada nos anos oitentas e noventas pelas revistas Punto y Coma e Hespérides, dirigidas respectivamente por Isidro Palacios e José Javier Esparza. Desde 2004, a publicação que mais amplamente expressa o espírito da Nova Direita é El Manifiesto. Dirigida por este que vos escreve, é desde 2007 um periódico digital de publicação diária.
[2] No dia 21 de maio de 2023, transcorreu o décimo aniversário da imolação de Dominique Venner na Catedral de Notre Dame de Paris. Não foi um suicídio qualquer. “Dou-me a morte ― deixou escrito ― a fim de despertar as consciências adormecidas. […] Sublevo-me contra os venenos da alma e os desejos individuais que destroem as nossas âncoras identitárias.”
[3] “Grecia”, em francês. Acrônimo de “Groupement de recherche et d’études pour la civilisation européenne” (Grupo de Pesquisa e Estudos para a Civilização Europeia).
[4] Heidegger e Nietzsche (nesta ordem de importância) são os dois principais filósofos cuja influência, explicitamente reconhecida por Alain de Benoist, anima o conjunto da Nova Direita.
[5] Apesar das profundas divergências filosóficas que separam a Nova Direita do Cristianismo (o histórico, não aquele do Concílio Vaticano II), as relações entre ambos são profundamente amistosas. Isto é lógico, se se pensa que, no nosso dessacralizado mundo, ambos estão no mesmo lado da barricada e aí resistem a ataques semelhantes.
[6] Eu tratei de complexidades e dificuldades, além de muitos outros pontos que não cabia abordar em El abismo democrático (Ediciones Insólitas, Madrid, 2019). Considerando outro aspecto desse ensaio, a versão francesa foi intitulada N’y a-t-il qu’un dieu pour nous sauver? [Só um deus pode nos salvar?] ― Éditions de la Nouvelle Librairie, Paris, 2021.
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Fonte: La Gaceta de la Iberosfera | Autor: Javier Ruiz Portella | Data de publicação: 28 de maio de 2023 | Título original: ¿La Nueva Derecha? ¿Y esto qué es? | Versão brasilesa: Chauke Stephan Filho.