A sociologia como religião

The Sacred Project of American Sociology
Smith, Christian
New York: Oxford University Press, 2014.

Já se sabia, faz algum tempo, que a esquerda mantém a academia sob sequestro. O livro de Christian Smith O projeto sagrado da sociologia americana é um estudo de caso sobre esse fenômeno numa disciplina em que o controle da esquerda é quase total, analisado da perspectiva de sua especialidade — a sociologia da religião.

Smith, professor da Universidade de Notre Dame, acredita que a sociologia acadêmica teve auspicioso começo enquanto empresa científica, secular e naturalística. Com o passar do tempo, entretanto, ela perdeu muito de sua objetividade acadêmica. Atualmente, “A sociologia americana é melhor compreendida como projeto profundamente sagrado” (p. X). O autor emprega o termo “Sagrado” no sentido que lhe dá Durkheim, ou seja, alguma coisa sacrossanta, reverencial e inquestionável.1

Na minha opinião, o projeto sagrado que Smith descreve no Capítulo 1 mostra impressionante semelhança com a ideologia do marxismo cultural ou da justiça social, embora ele não faça uso dessas expressões. Esse projeto sagrado (daí as maiúsculas: O Projeto) consiste numa perquirição espiritual, num tipo de religião secular que busca abolir a desigualdade humana, as hierarquias humanas, os constrangimentos sobre os homens da parte de outros homens ou até mesma da natureza. Tais objetivos inalcançáveis e utópicos provocaram frustração e fanatismo no passado, não se podendo esperar efeito diverso da mesma causa no futuro.

As ideologias políticas podem, às vezes, reunir conceitos nebulosos, e a alguns estudiosos não agrada a tentativa de entendê-las segundo o esquema de esquerda e direita. Mas esse é um modelo útil aqui para efeito de contraste. A autêntica Direita acredita na nobreza dos laços do dever e da lealdade que ligam um homem à sua família, à sua comunidade e à sua etnia. Antes que a igualdade, a Direita celebra a excelência — força, beleza, inteligência. A desigualdade e a hierarquia são intrínsecas à condição humana, e alguma coação sobre indivíduos e grupos é, com frequência, necessidade positiva. E a Direita, quando no poder, busca acabar com a injustiça, a exploração e a pobreza, mas seus esforços nesse sentido não são de alcance global, limitando-se ao âmbito de suas próprias comunidades étnicas.

Ao contrário, O Projeto consiste num individualismo autocentrado. Ele procura “a emancipação, a igualdade, a afirmação moral de toda a humanidade como conjunto de indivíduos enquanto agentes autônomos de si mesmos […] que devem viver suas vidas como bem entenderem e construir para si a identidade que desejarem, estabelecendo as relações e vivências como for de sua vontade […]” (p. 7-8). Embora Smith reconheça que O Projeto tenha recebido conteúdo “revolucionário e socialmente utópico” da “tradição marxista”, como também “sentido terapêutico   […] da tradição freudiana”, de não poucas consequências em termos de influência, esse autor acredita que O Projeto consiste, essencialmente, em simples individualismo ocidental, no contexto maior da tradição iluminista (p. 9). Esse é um ponto de vista, ou seja, O Projeto como o liberalismo levado ao extremo da sua falta de lógica. Eu discordo dessa perspectiva, e Smith volta a tratar da origem do Projeto no Capítulo 4, assim falaremos disso mais adiante.2

O autor não pertence, certamente, à Direita dissidente, e embora ele pareça se enquadrar em algumas visões sociais tradicionais, ele mesmo diz não ser conservador. Eu o situaria, talvez, como um centrista cristão no espectro ideológico. Embora altamente crítico quanto ao Projeto, Smith tem sentimentos ambíguos em relação aos seus fins. Ele decerto censure mais os meios do que os fins. A agenda atual do Projeto é simplesmente uma ponte longe demais. Pior ainda, O Projeto sequestrou a sociologia, “a rainha das ciências sociais”, fazendo dela sua ancila, com o que comprometeu a imparcialidade científica da disciplina e a integridade acadêmica.3

Smith caracteriza O Projeto como “transformador”, “radical,” até “revolucionário”, mas não como remediador ou reformista. Isso parece contraditar a afirmação dele acima referida sobre a inserção do Projeto em tradições anteriores. O Projeto é elitista porque “afinal, as pessoas comuns não são confiáveis (já que não pegam o ‘espírito da coisa’)”. (p. 13).

Um dos objetivos do Projeto é a redefinição da família. Meias-medidas, a exemplo da união civil para casais homossexuais, são inaceitáveis. Só o casamento entre pessoas do mesmo sexo pode “assegurar o devido reconhecimento moral e social oficialmente formulado, com a aprovação, a validação, a apreciação de que as pessoas precisam para que se sintam bem consigo mesmas” (p. 14). O Projeto tem por certo que identidades herdadas e adscritivas tais como a raça e o sexo podem ser reconstruídas conforme se queira. Daí que Rachel Dolezal possa ser uma ativista negra; e a senadora Elizabeth Warren, uma princesa xeroqui — bem, pelo menos por um tempinho. De qualquer forma, esse é um objetivo que os “religiosos” continuam a perseguir.

Quão hegemônico é O Projeto na sociologia acadêmica? Smith estima o número de fiéis dogmatizados entre 30% e 40% dos sociólogos. Entre 50% e 60% seriam aderentes, mas não tão zelosos de sua fé. Esses números indicam que, no máximo, 20% podem não seguir o credo, mas se comportam como Maria vai com as outras para levar algum tipo de vantagem.

No Capítulo 2, de longe o mais extenso, Smith aponta as evidências de que O Projeto apoderou-se da sociologia. Ele começa examinando os títulos numa exposição de livros durante uma conferência anual da Associação Americana de Sociologia (sigla inglesa: ASA). Alguns desses títulos: The price of paradise: the cost of inequality and a vision for a more equitable America; Breaking women: gender, race and the new politics of imprisonment; The hip-hop generation fights back: youth activism and post-civil rights politics; e Punished: policing the lives of black and latino boys (p. 32). Muitos livros defendiam explicitamente O Projeto; nenhum deles opunha-se explicitamente.

A seguir o autor examina os livros resenhados numa edição recente da Contemporary Sociology, a revista oficial da ASA. Poucos livros são selecionados para resenha, assim a ASA considera os escolhidos como especialmente importantes. Entre os títulos, constavam estes dois: Equality with a vengeance: men’s rights groups, battered women, and the antifeminist backlash; e Creating a new racial order: how immigration, multiracialism, genomics, and the young can remake race in America (p. 38).

Além de livros e resenhas de livros, O Projeto abrange ainda artigos em periódicos. Smith nota que os artigos podem parecer “mais científicos” do que as monografias supracitadas, mas muitos deles também são lanças e escudos da causa sagrada. O autor examina ainda trabalhos recentes saídos na American Sociology Review (ASR). Assim como a Contemporary Sociology, a ASR é publicação oficial da ASA, sendo geralmente considerada “a melhor revista americana de sociologia” (p. 47). Qualquer área de pesquisa é um campo aberto para o avanço da Cruzada. O trabalho de Robert Putman, por exemplo, sofre campanha de descrédito. Tudo porque ele indica a “perda de capital social” e o crescente isolamento social nos Estados Unidos. Alegam mil e uma questiúnculas metodológicas, “denunciando” supostas falhas que vão da coleta dos dados à sua interpretação. Alguns dos alvos visados estudam “o colapso das famílias nucleares estáveis” e “a perda de linguagem cultural compartida de comunidade e responsabilidade” (p. 48). Porquanto estas sejam preocupações associadas aos conservadores, e em virtude de O Projeto “estar implicado nas mudanças socioculturais que podem ser criticadas por seu caráter socialmente destrutivo”, os Projetistas tentam fazer crer que “todas as mudanças socioculturais operadas desde os anos sessentas — as quais críticos situam na origem do declínio do capital social, da conectividade e da comunidade — não representam, na realidade, nenhum tipo de problema” (p. 49).

Continuando, Smith observa que O Projeto envolve não apenas “academismo”, mas também ativismo. “A ASA tem organizado uma série de programas de conferências para ativistas nos seus encontros nacionais” com a finalidade de promover mudanças sociais e inclusão como forma de combate à opressão e à desigualdade. (p. 60). “The ASA declara sem meias-palavras que a sociologia americana não se ocupa apenas com a condução e a divulgação de trabalhos acadêmicos, mas também com a indução da mudança social por meio do ativismo (p. 62).

Outro conjunto de evidências é apontado nos livros didáticos de sociologia. Geralmente, os cursos de introdução à sociologia integram o currículo básico exigido nos cursos universitários de graduação. Assim, a cada semestre, milhares de estudantes de 18 a 21 anos, portanto muito sugestionáveis, seguem esses cursos. Eu não me lembro muito do curso de introdução à sociologia que fiz há muitos anos, mas hoje esses cursos mais se parecem como classes de doutrinação para a formação de marxistas culturais. De acordo com Smith, num típico curso de sociologia, os estudantes são “despojados da visão de senso comum sobre a liberdade e a responsabilidade […], são ‘habilitados’ para a tarefa de se juntar a outros para mudar a sociedade […] e são desconvencidos do valor do modo de vida de sua cultura, o que pavimenta o caminho para um tolerante multiculturalismo” (p. 73). O capítulo sobre “Sexo e sexualidade” de um livro de sociologia bastante usado inclui tópicos como “homofobia, teoria queer, transas eventuais (suas vantagens e desvantagens)” e sexo extramarital (em tempos de mais “repressão”, chamado de adultério) (p. 84).

Deixando os livros-textos, Smith passa a tratar de outro conjunto de provas que ele chamou de “histórias reveladoras”. Aqui ele escreve que a obtenção de estabilidade no magistério superior pode depender da “correta perspectiva” do candidato sobre questões sociais e políticas. Cabe mencionar que a estabilidade é o último obstáculo para se chegar ao cargo de professor universitário em tempo integral. Primeiramente um estudante deve ser admitido num programa de doutorado, deve escrever e ter aprovada a sua tese sob a orientação (vigilância, na verdade) de um titular, para então ser contratado como professor, depois do que ele poderá conseguir jornada de trabalho de tempo integral. Cada uma dessas fases serve de grade epistemológica para impedir o ingresso de acadêmicos dissidentes nas universidades. Trata-se de um sistema fechado com pouca ou nenhuma forma de responsabilização externa. Ao longo dos anos esse esquema conduziu à hegemonia esquerdista nas profissões liberais e ciências sociais.

Desse consenso institucional excludente [no original: groupthink] resultam pesquisas fraudulentas que só são descobertas depois de anos; e, depois de décadas, refutadas. O melhor (ou pior) exemplo disso é o “estudo” de Lenore Weitzman sobre as consequências do divórcio. Weitzman, judia e feminista radical, publicou trabalho “concluindo” que, após o divórcio, o nível de vida das mulheres cai 73%, e o dos homens sobe 42%.4 “A pesquisa dela mereceu premiação da ASA em 1986 por ‘importante contribuição à investigação acadêmica’. Foi resenhada em pelo menos 22 revistas de ciência social e 11 revistas jurídicas. As revelações de Weitzman foram citadas em mais de 170 artigos de revistas e jornais, 348 artigos de ciências sociais, 250 artigos jurídicos, 24 causas de cortes estaduais e numa decisão da Suprema Corte. (p. 100).

Pelo menos um sociólogo, Richard Peterson, permaneceu altamente céptico em relação às “descobertas” de Weitzman. Ele pediu os dados da pesquisa para revisão. Weitzman negou-se a atender à solicitação, tergiversando. Depois de resistir por 10 anos, Weitzman finalmente cedeu e cedeu os dados, ao ser advertida pela “National Science Foundation, financiadora do trabalho, de que não receberia mais recursos se não o fizesse” (p. 98). O que Peterson constatou foi um emaranhado de muitas incorreções, inconsistências e dados omitidos. Então ele refez todo o trabalho como melhor podia. Os resultados a que chegou: uma queda de 27% no padrão de vida da mulher e uma elevação de apenas 10% no padrão de vida do homem. Nesse meio tempo, outra investigação, maior e realizada em melhores condições, revelaria que tanto os homens quanto as mulheres saíam mais pobres de um divórcio.

Smith destaca que a pesquisa sobre o divórcio que ele contestou não esteve restrita ao debate acadêmico. Ela teve consequências no mundo real. As “informações” de Weitzman subsidiaram cortes e legislaturas na reformulação do marco legal do divórcio e acarretaram perdas financeiras sérias para os homens. “No final das contas, os enormes erros reconhecidos no trabalho de Weitzman — os quais motivaram grandes mudanças legais e culturais quanto ao divórcio, inclusive algumas que afetaram profunda e negativamente os homens divorciados — não prejudicaram a carreira dela. Atualmente ela integra o programa Clarence J. Robinson da George Mason University, Fairfax, Virgínia, como professora de Sociologia e Direito” (p. 101). E agora o remate de toda essa encenação: 20 anos depois de ter caído em descrédito, “o desarrazoado de Weitzman continua a ser citado ainda hoje no mais vendido livro de introdução à sociologia do mercado” (p. 104).

O escândalo de Weitzman é exemplo frisante do viés confirmatório e dos dois pesos e duas medidas para a avaliação da pesquisa nas ciências sociais. Se acontece, como costuma acontecer, de a pesquisa chegar às conclusões “corretas” — isto é, aquelas de acordo com a agenda do Projeto, como foi o caso assustador do que Weitzman “descobriu” sobre o divórcio — então a investigação é aceita de olhos fechados. Por outro lado, se os resultados da pesquisa estiverem em desacordo com O Projeto, isso indicará erros de concepção e análise no trabalho. Neste caso, nem todas as evidências do mundo bastarão para livrar qualquer trabalho de resultados indesejados da condenação como “pseudociência”, termo de que os esquerdistas gostam muito, aliás. Mas, na realidade, pseudociência é a deles, que rasgam seda para os “irmãos” do Projeto pelo testemunho de sua “fé” acadêmica, enquanto atacam com as críticas mais extremas os trabalhos dos “hereges” que lhes profanam a “divindade”.

No Capítulo 3, Smith trata desse aspecto religioso, mostrando a forte semelhança entre as práticas dos sociólogos acadêmicos e aquelas do que seria uma comunidade mística de espíritos iluminados. Primeiramente, aqueles iniciados chegados à pós-graduação, portanto já adiantados no palmilhar da senda luminosa, são aí submetidos a “longo e rigoroso processo de ensino-aprendizagem, no qual assimilam o conhecimento da verdade última sobre a realidade do mundo. Então, da posição elevada que alcançam pela contemplação da Essência superior, os iniciados chegam a transcender a inteligência desprezível dos homens e mulheres profanos” (p. 115). Uma vez integrados plenamente ao corpo eclesiástico, os pastores buscam novas ovelhas entre os mais promissores catecúmenos de seu redil, aqueles que mais claramente obedecem ao Chamado e se mostram capazes de melhor servir aos desígnios sagrados do Projeto (p. 116). Finalmente, os eleitos devem estar “sempre alerta e vigilantes contra os lobos em pele de ovelha, os hereges, os infiéis, os traidores que podem estar à espreita dentro da própria congregação e levar o Projeto à perdição”. (p. 118).

O autor volta a falar das origens do Projeto no Capítulo 4, e aqui eu discordo da análise de Smith. Como mencionado na discussão do Capítulo 1, o autor vê O Projeto como a última fase do desenvolvimento do liberalismo ocidental e do individualismo. Eu vejo O Projeto mais como descontinuidade, não apenas em relação à tradição ocidental em geral, como também, especificamente, em relação aos homens que criaram a sociologia enquanto disciplina acadêmica no fim do século XIX e no começo do século XX.

Em primeiro lugar, deve ser considerado que o liberalismo e o Iluminismo foram produtos da mente de homens brancos ocidentais; bem ao contrário, O Projeto é explicitamente antiocidental, antibranco e antimasculino. Em segundo lugar, não obstante tenha o Iluminismo celebrado o indivíduo, ele o fez de forma restrita. Neste ponto cumpre examinar os efeitos políticos e sociais do pensamento iluminista mais do que o Iluminismo como movimento puramente filosófico. Na Europa Ocidental e na América do Norte, o Iluminismo pode ser representado pelo republicanismo dos Patriarcas da Independência Americana e seus precursores. Esses homens frequentemente escreviam e falavam sobre a necessidade da virtude e do autocontrole, sobre a riqueza coletiva, sobre o bem comum. Na Europa Central e na Europa Oriental, o Iluminismo foi incorporado pelos Déspotas Esclarecidos, os monarcas absolutistas dispostos a reformar suas sociedades de cima para baixo. Ambas as variantes eram bem diferentes, talvez a própria antítese do delicado vale-tudo em que todo o mundo pode fazer o que bem entende, conforme preconiza o  individualismo do Projeto. Em terceiro lugar, o Iluminismo e a Revolução Científica desenvolveram-se pári-pássu. Um dos topos de Smith é a perda da objetividade científica na sociologia. O Projeto tem base na fé, trata-se de uma religião secular. Seus alicerces não se constituem cientificamente. Nele opera-se sofisticada manipulação das ciências sociais e biológicas para que sirvam a sua agenda. A Direita Dissidente tem base mais firme na ciência do que a esquerda contemporânea.

O autor tece breves considerações sobre Lester Ward, Edward Ross e outros dos “primeiros sociólogos americanos que escreveram livros didáticos” (p. 122). O que Smith não quis reconhecer foi a profunda influência da teoria evolucionária, do racialismo e da eugenia sobre as nascentes ciências sociais da época. 5 Veja-se, por exemplo, Lester Ward, o primeiro nome na lista de Smith. Ward criou o Departamento de Sociologia da Brown University e foi o primeiro presidente da ASA. Nascido em Illinois de família provinda da Nova Inglaterra, ele lutou na Guerra de Secessão pelo exército da União, chegando a ser gravemente ferido. Não obstante, Ward era dotado de forte consciência racial. Ele “estabeleceu uma distinção entre as raças ‘históricas’ ou ‘mais bem dotadas’ originárias da Europa e outros grandes grupos raciais de negros, vermelhos e amarelos […] Ele falou abertamente de raças ‘superiores’, ‘inferiores’ e ‘decadentes’”. 6  E apesar de seu contexto cultural, Ward mostrava sincera preocupação com a segurança das mulheres brancas do Sul.

As raças inferiores, argumentava Ward, tinham extraordinário apetite sexual por membros das raças superiores, porque obscura e instintivamente nisso percebiam via para o melhoramento da sua própria raça. Um negro que viola a mulher branca, declarou Ward, é compelido por algo mais do que a simples luxúria. “Esta é a voz inaudita mas imperiosa da natureza a comandá-lo, mesmo sob o risco da lei de linchamento”, disse Ward, “para erguer sua raça a nível um pouco mais alto.” Por outro lado, a fúria da comunidade branca onde tal ato tem lugar é da mesma forma natural. 7

Assim pensava o primeiro presidente da Associação Americana de Sociologia.

No passado, quando o estabilismo era confrontado com o racialismo dos fundadores da sociologia, a exemplo de Ward, a reação era tentar minimizar ou desconsiderar tais convicções como meras prevenções ultrapassadas de que já se havia defecado a sociedade, da forma como também se expurgara das visões errôneas no campo da medicina ou astronomia. No ambiente mais polarizado de hoje, tais convicções são vistas como prova de um alastrante racismo, ao mesmo tempo individual e institucional, antigo e novo, de que se deve cortar os ramos e arrancar as raízes.  A consciência racial branca e a preferência pela raça branca eram, obviamente, parte do senso comum no passado. A experiência de Ward como militar da União não enfraqueceu as preocupações dele com o bem-estar das mulheres brancas do Sul. O sangue fala mais alto do que diferenças regionais. É evidente que ele refletiu profundamente sobre a questão e analisou-a de perspectiva evolucionária.

Outro nome na lista de Smith, Edward A. Ross explicitou de forma ainda mais precisa suas visões sobre a raça. Homem alto e forte, defensor de hábitos rigorosos e de uma vida enérgica, amigo de Teddy Roosevelt, Ross foi quem cunhou a expressão “suicídio racial”, depois empregada por Roosevelt e Madison Grant. Ross concluiu o seu curso de doutorado na Universidade Johns Hopkins e a seguir participou da criação do Departamento de Sociologia da Universidade de Wisconsin, onde lecionaria por 31 anos. Ele também presidiu a ASA como o seu terceiro presidente. Ross não via utilidade em dar direitos eleitorais aos negros: “O voto não faz o negão virar Platão”.8 Ele também lutou, com firmeza, pela limitação da imigração. Ele acreditava que “O dinheiro judaico […] estava financiando a campanha pela imigração ilimitada, pretensamente em benefício de todos os imigrantes” e que, na verdade, “Uma só raça estava por trás dessa campanha, agindo pelo próprio interesse”. Conforme Ross, “Os judeus responderam ao benefício do asilo americano com tremendo malefício: eles minaram o controle dos Estados Unidos sobre o seu próprio destino racial”.9 Ross escreveu um dos primeiros livros de introdução à sociologia, Foundations of Sociology (1905). Algumas partes desse livro poderiam ter sido escritas por Madison Grant. Deve-se enfatizar que homens assim como Ward, Ross e mesmo Grant eram progressistas que combatiam o interesse das corporações e apoiavam os trabalhadores, aos quais mostraram-se solidários. Eles eram verdadeiramente progressistas, e o estudo das ciências sociais conduziu-os para o realismo racial. Eu não posso entender por que escritores da Direita chamam hoje os seus oponentes de “progressistas”.

As evidências apontadas acima indicam o revertério havido na sociologia durante o século XX. O Projeto é, de fato, revolucionário. Foi dado um giro de 180 graus nas questões sociais, especialmente quanto a raça e sexo. Embora Smith reconheça a influência do marxismo e do feminismo na sociologia contemporânea, eu não acredito que ele tenha plena consciência de quão graves foram as mudanças operadas. O Projeto adotou elementos da teoria trotskista da revolução permanente para a mudança social, a par de princípios da contínua Revolução Cultural maoísta, as quais não têm prazo de encerramento.

Smith termina o Capítulo 4 dizendo que o sequestro da sociologia pelo Projeto não era inevitável. De novo, as evidências acima confirmam essa conclusão. As ciências sociais como um todo poderiam ter continuado na via do naturalismo ao longo do século XX, tendo por referência as ciências da vida, especialmente a biologia evolucionária. Existe certa tendência natural de leitura da história num sentido reverso, ou seja, da frente para trás, por onde eventos ou processos de décadas ou séculos passados são considerados teleologicamente, assim como se tivessem existido como preparação para o irresistível advento das condições do presente. Uma visão mais equilibrada do passado percebe caminhos abandonados nas encruzilhadas da história que poderiam ter sido os escolhidos.

O Capítulo 5 intitula-se “Consequences”, mas eu acho que um título melhor seria “Os sete pecados capitais da Sociologia”. Estes pecados são os seguintes:

  1. 1. Desonestidade: “A disciplina tem sido desonesta consigo mesma, com os estudantes e seus pais, com os administradores e doadores das universidades e com os contribuintes americanos”. (p.134). Com muita frequência a sociologia torna-se propaganda disfarçada de ciência social.
  2. 2. Hipocrisia: “Apesar de disciplina muito obsedada pela mazela americana da desigualdade social, a sociologia mostra-se elitista, estruturando-se em termos de estratificação segundo hierarquias de status e poder que operam processos sociais excludentes para a proteção de privilégios, tanto quanto qualquer outra instituição na sociedade”. (p. 136).
  3. 3. Proselitismo gramscista: transformada em veículo institucional de propaganda política, o aparato acadêmico-editorial da sociologia tem servido à doutrinação “progressista” em favor de toda sorte de inversão política e social nas guerras culturais pela “revolução”, agora assimilada a uma religião que promete o paraíso a toda minoria descontente. A subversão minoritária volta-se não só contra a sociedade, mas também contra a própria natureza.

Os quatro pecados restantes estão estreitamente relacionados:

  1. 4. Padronização pensamental: toda ideia dissidente é proscrita. A seleção por conformidade e o isolamento e expurgo de estudantes e professores que não pensam da forma politicamente correta são processos conducentes à formação de sociólogos alienados, perdidos na confusão que fazem entre fatos sociais e artigos de uma fé intolerante, embora cultuada em nome da tolerância.
  2. 5. Miopia social: a incapacidade para pensar “fora da caixa”. Tudo o que a religião acadêmica do esquerdismo não pode enquadrar é visto como abominação. Toda resistência política ou cultural ou simplesmente comportamento autônomo de oposição sofre estigmatização como preconceitos diversos: sociais, raciais, sexuais… Estes “males” recebem o castigo expiatório num gradiente que vai do simples ostracismo ao extremo da prisão e até mesmo da pena de morte, passando por censura e multas, no que se configura como processo repressivo dinamizado pelos interesses da burocracia da indústria judiciária a serviço do capital transnacional e outras forças globalistas.

 

  1. Corrupção da avaliação interpares: caso paradigmático deste sexto pecado foi o escândalo de que tratamos, o qual teve Weitzman como impenitente protagonista. “Asinus asinum fricat”, diriam os latinos.
  2. 7. Incapacidade de autocrítica: este sétimo pecado decorre do que parece ser a óbvia correção da teologia do Projeto aos olhos de seus crentes. Estes, em sua cegueira sectária, “não percebem o dogmatismo religioso do Projeto, que assim passa por ser a realidade autoevidente”. (p. 176).

O Capítulo 7 inicia com a interrogação “What Is Sociology Good For?” [“Para que serve a Sociologia?”]. Nota-se que Smith sentiu embaraços na resposta. Às vezes, o autor manifesta que “a sociologia, como uma empresa, deveria ser fechada, simplesmente”, ou que devesse, “talvez, ser enxugada” (p. 184). A Sociologia pode ser muito boa para a descrição das características sociais, os problemas começam quando ideologia e política se misturam “sob o disfarce de teoria e interpretação”, distorcendo a pesquisa sociológica. A solução evidente consiste em substituir a perversa e destrutiva ideologia do Projeto por orientação mais saudável e objetiva que corresponda às necessidades da sociedade.

O Capítulo 8 finaliza o texto recapitulando sumariamente os principais pontos. Há um apêndice onde o autor descreve brevemente suas crenças pessoais. No começo do livro, Smith havia dito que era contrário ao Projeto Sagrado – o qual eu identifico com a Esquerda – mas que não era conservador, que não chegava a ser da verdadeira Direita. Sua própria ideologia – o Personalismo Realista Crítico – valoriza “mais a pessoa do que o indivíduo, defende a solidariedade comunitária contra a atomização” (p. 200). Esta curta descrição não deixa claro o entendimento que tem o autor do conceito de comunidade. O Personalismo Realista Crítico é minudenciado em outro trabalho de Smith: To Flourish or Destruct: A Personalist Theory of Human Goods, Motivations, and Evil (2015).

O que então, afinal, podemos aprender com o livro? Eu diria, antes de tudo, que estudantes e professores de sociologia devem ler esse livro, assim como qualquer um simplesmente interessado nessa disciplina ou que pretenda ser aluno ou professor da matéria. Esta rápida resenha, é óbvio, não pode expor de forma abrangente as teses de Smith, nem questionar todas as alegações dele. Além disso, meus pontos de vista e os de meus leitores podem não coincidir. De qualquer forma, cabe indicar aos leigos as principais questões discutidas, o que faço a seguir:

(1) A Esquerda contemporânea é uma religião secular. Esta é, claramente, a principal mensagem do livro, e não há nada de novo nisso. Analistas de um século atrás já haviam comparado o Partido Bolchevista a uma ordem religiosa. As religiões, seculares ou sectárias, pautam-se pela fé, de sorte que a razão ou a evidência empírica não pesa sobre a consciência dos crentes mais apaixonados. Eles não querem o diálogo, eles não aceitam a contradição. Os justiçadores sociais de hoje são tão facciosos quanto aqueles das guerras religiosas do passado.

(2) O livro mostra que aqueles contrários à tomada da sociologia pelo Projeto omitiram-se diante do assalto ou, no máximo, ofereceram resistência passiva. O mesmo se passou na mais ampla arena social e política. A ciência e a razão não bastam. Alguma coisa espiritual está faltando. A Direita precisa de um “intenso engajamento emocional” numa causa comum e de uma “subordinação a propósito coletivo mais alto”, que Smith observa na Esquerda. Os conservadores não têm esse espírito e nunca o terão. É óbvio que, se a Esquerda não for confrontada por contraforça superior, ela irá prevalecer.

(3) Os departamentos acadêmicos são sistemas fechados a par dos quais as guildas medievais deixariam os seus mestres envergonhados. Na contratação e promoção de professores universitários, ou no recrutamento de estudantes para cursos de pós-graduação, prevalecem critérios de base ideológica. Esses departamentos não se sujeitam a nenhuma forma de supervisão ou responsabilidade.

Uma observação final: livros de crítica à academia como os de Christian Smith vão sendo editados cada vez mais e em maior número, indício de que mais gente possa estar tomando consciência do perversivo efeito da Esquerda no labor acadêmico ocidental. Não obstante, entre todas as instituições da sociedade, a educação superior dá mostra de ser, pelas razões vistas acima, a de mais difícil reestruturação.

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(1) O sociólogo Emile Durkheim, judeu francês, escreveu As formas elementares da vida religiosa (1912), obra na qual define o conceito de “Sagrado” de que se valeu Christian Smith.

(2) Eu concordo com o acadêmico canadense dissidente Ricardo Duchesne em que a culpa pelo marxismo cultural não é do Iluminismo. Cf. CANLORBE, Gregoire. A conversation with Ricardo Duchesne. The Occidental Quarterly, v. 19, n. 2, p. 32-35. 2019.

(3) Numa nota de rodapé na página 9, Smith cita aprovativamente Gordon Marshall: “A Sociologia é, algumas vezes,     vista (ao menos pelos sociólogos) como a rainha das ciências sociais, concertando e ampliando o conhecimento e as perspectivas de todas as (conceitualmente mais restritas) ciências afins”.

(4) WEITZMAN, Lenore. The divorce revolution: the unexpected social and economic consequences for women and children in America. New York: The Free Press, 1985.

(5) Cf. LEONARD, Thomas C. Illiberal reformers: race, eugenics, and american economics in the progressive era. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2016. Reviewed in: The Occidental Quarterly, v. 16, n.2, p.105-113. 2016.

(6) GOSSETT, Thomas F. Race: the history of an idea in America. Dallas TX: Southern Methodist University Press, 1963. p. 164.

(7) Ibid, 166.

(8) Ross citado em Leonard, Illiberal reformers, p. 50.

(9) Ibid. 158.

Fonte: The Occidental Observer. Autor: Nelson Rosit. Títulos originais: Sociology as Religion, Part 1; e Sociology as Religion, Part 2. Data de publicação: 31 de outubro de 2019 (Part 1) e 1.º de novembro de 2019 (Part 2). Versão brasilesa: Chauke Stephan Filho.