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Marshall Yeats: Carl Jung e os judeus

Na verdade, o próprio judeu incita o antissemitismo no seu afã de acusá-lo em toda parte.
(Carl Jung ― 1934)

Desde há bastante tempo, eu sinto forte interesse pela obsessão do judeus em relação a personalidades históricas já falecidas que fizeram comentários não muito lisonjeiros sobre a raça deles. Quanto mais famoso e talentoso o publicista, maior a intensidade da obsessão. Aqui mesmo, em The Occidental Observer, já foram indicadas algumas dessas obstinações, como no caso da vindita judia contra T. S. Eliot e contra o seu contemporâneo Ezra Pound. Anthony Julius, em T. S. Eliot, anti-Semitism and Literary Form, por exemplo, escreve que os leitores judeus da poesia de Eliot reagem, ao mesmo tempo, com “horror e admiração”.[1] Horror, porque percebem como injustificada a crítica ao seu grupo étnico, que se torna mais incisiva por causa da sensibilidade etnocêntrica deles. Admiração, por outro lado, porque eles apreciam, apesar de si mesmos, o talento desse escritor que os ameaça e é atacado. A “atração” pela qual eles sempre voltam a lidar com o escritor-alvo é decorrência do desejo de desconstruir e rebaixar aquele talento e, assim, vingar ou mitigar a crítica.

Os judeus estão presos, também, e firmemente, a um medo ou paranoia de raízes na história. Para os judeus, o passado está sempre presente, levando-os a comportamentos perigosos e extremamente agressivos contra as populações inclusivas. A expressão perfeita dessa paranoia pode ser encontrada num recente artigo saído em The Guardian escrito pelo jornalista judeu Barney Ronay. Quando escreveu o texto, Ronay estava na Alemanha, cobrindo o Campeonato Europeu de Futebol, mas ele não consegue fazer parecer que o seu foco está no esporte. Ele informa a seus leitores que “gostou de estar neste caloroso, amigável lugar para a Euro 2024, um tipo de volta ao lar. Mas nada nesta casa evita que eu me sinta aterrorizado aqui”. E ele continua nos seguintes termos:

Aqui vai, a título de exemplo, uma lista não exaustiva das coisas alemãs que são medonhas  para mim, começando pelo meu primeiro dia aqui, quando uma feliz mulher alemã ria às gargalhadas num trem que passava pelo bosque na periferia de Munique, uma cena que me deu medo pelo riso solto alemão de doido feliz. Os trens alemães são medonhos. Os ramais das ferrovias alemãs são medonhos. Há muita vibração negativa aqui, que me esgota. Uma floresta alemã é medonha, principalmente no lugar das clareiras. Um parque alemão vazio ao anoitecer é medonho. Qualquer praça de uma cidadezinha alemã é medonha … E o que mais? A mobília alemã de madeira escura. Uma fileira de bicicletas alemãs estacionadas. (Para onde iriam? Será que precisarei de uma?) As escadas alemãs, os corredores, as malas. A maioria dos sapatos alemães. Os sapatos alemães descartados.

Muitos desses medos têm origem em histórias contadas às crianças judias e são reforçados por grupos culturais e políticos judeus. O medo é uma peça-chave no mecanismo que mantém o etnocentrismo judeu, daí a ADL investir fortunas em pesquisas sobre o antissemitismo como forma de amedrontar e tanger o rebanho étnico para a ação unitária. No caso de Ronay, “um mito da família reza que um tio distante foi retirado de um trem e baleado. A bala atravessou o pescoço, ele ficou caído um tempinho, mas logo se levantou e voltou a lutar pela resistência”. Eu aplaudo o emprego da palavra “Mito” aqui, mas existem centenas de milhares de famílias judias que acolhem essas contos de bicho-papão como fatos históricos. E o medo judaico, o etnocentrismo judaico têm necessidade de bichos-papões, e destes o mais óbvio é Hitler, havendo também outros mais persistentes em termos culturais como Eliot ou Pound ― figuras de que ainda se pode tratar em público com respeito e admiração. Entre essas figuras está Carl Jung.

Carl Jung e The Culture of Critic

Embora (ou por isso mesmo) Jung já tenha sido associado à psicanálise ― uma “ciência” tão judaica que consta em The Culture of Critic, o livro de Kevin MacDonald sobre os movimentos intelectuais judaicos ― o psiquiatra suiço vem se tornando, cada vez mais, alvo de condenação, desconstrução e crítica nos últimos anos. No recém-publicado Anti-Semitism and Analytical Psychology: Jung, Politics and Culture, o acadêmico judeu Daniel Burston escreve isto:

No mundo atual da psicoterapia, ninguém pode ser junguiano sem dever responder à acusação de que Jung foi nazista e antissemita. […] Suas declarações sobre os valores supermaterialistas da psicologia judaica de efeitos corrosivos na natureza espiritual da psique foram feitas nos anos trintas. […] Psicanalistas deixaram de estudar Jung por causa disso; pela mesma razão outros intelectuais lançam Jung ao descrédito.[2]

Num parágrafo que mais parece o de uma novela de terror, Jung é figurado como bicho-papão, e o antissemitismo, explicado como fenômeno misterioso, fantasmagórico e aterrorizante:

Depois da leitura deste livro, talvez os junguianos compreendam por que tantos judeus veem o antissemitismo como o inimigo metamórfico e imortal sempre presente nos recônditos das culturas cristã e islâmica; um oponente que jaz dormente por curtos ou longos períodos, mas que sempre se levanta para voltar a nos atormentar ao longo dos séculos.

“Inimigo metamórfico e imortal”… Deus me livre e guarde!

Burston estabelece uma distinção entre o que ele chama de antissemitas de “baixo nível e alta intensidade” e antissemitas de “alto nível e baixa intensidade”. Ele menciona, abertamente, Kevin MacDonald como exemplo de alguém na segunda dessas categorias, na qual também inclui Jung. Burston alega que “intelectuais antissemitas” como MacDonald e Jung, embora não sendo violentos, “darão cobertura ou apoio para os antissemitas menos cultos e mais explícitos, quando for o caso”. A tentativa de difamação aí é, pois, dizer que homens como MacDonald e Jung são, na essência, bandidos vestidos de terno.

Burston reporta o pensamento de Jung ao movimento neoconservador dominante no seu tempo de universidade, com Jung sendo pintado como alguém sob a influência de certo germanismo quase bárbaro:

Ele rejeitou o naturalismo e foi atraído para o simbolismo e o irracionalismo. Na política, ele questionou a democracia e rejeitou o socialismo, maisquerendo o elitismo nietzschiano. […] Jung adotou a crítica [de Eduard von Hartmann] à modernidade, [incluindo sua] preocupação com a “judaização” da sociedade moderna. […] Para Jung, Freud tinha se tornado o representante de uma mundivisão racionalística e “desencantada”.[3]

Nos anos vintes e trintas, adeptos de Freud e Jung viam-se como oponentes numa batalha pela civilização conforme cada um dos lados a definia. Em virtude de seu antimaterialismo e de suas críticas a muitas das mais perversas teorias de Freud, os freudianos ― na maioria judeus, tinham Jung em conta de um antissemita e, mais tarde, de um “arauto do barbarismo fascista e nazista”. Mantendo esse mesmo viés, Burston diz existir “uma significativa e perturbadora ligação entre a dinâmica do antissemitismo no decorrer dos séculos e a psicologia e política de Carl Jung”.

O maior problema dos judeus do passado e do presente quanto a Jung é que ele se atreveu a refletir e fixar o olhar analítico sobre os próprios judeus. Quando toda a psicanálise parecia girar em torno do que Kevin MacDonald chamaria de “uma crítica radical da sociedade gentia”, com a elaboração em causa própria de teorias sobre o antissemitismo, Jung desenvolveu uma incisiva crítica aos judeus e ao que chamou de “o anticristianismo judaico”, sendo muitas das suas observações resultantes da experiência do autor no próprio meio social da psicanálise judaica. Em outras palavras, Jung colocou os charlatães judeus “no divã”. Numa carta a um colega datada de maio de 1934, Jung dá a seguinte explicação:

O complexo crístico do judeu favorece uma atitude geral meio histérica […] que se fez mais visível para mim por causa dos ataques anticristãos que venho sofrendo. O simples fato de eu falar da diferença entre as psicologias judaica e cristã basta para que qualquer um se sinta autorizado pelo preconceito a me acusar de antissemita. […] Como tu sabes, Freud me acusou de antissemitismo porque eu não pude dar a minha aprovação ao materialismo desalmado dele. Na verdade, o próprio judeu incita o antissemitismo no seu afã de acusá-lo em toda parte. Por que não pode um judeu, como todo pretenso cristão, aceitar críticas pessoais quando confrontado com a opinião alheia sobre ele? Por que se presume sempre que a intenção do crítico seja condenar todos os judeus?

Por causa dessa afronta, Jung é visto pelos judeus como alguém perigoso que não merece perdão. Burston está longe de ser o único a querer desacreditar Jung por causa de sua visão sobre os judeus. Nos últimos anos do século XX, o acadêmico judeo-britânico Andrew Samuels envidou esforço nesse mesmo sentido, chegando a fazer a afirmação de que “em C. G. Jung, o nacionalismo encontrou o seu psicólogo”. A resposta de Samuels para Jung foi dizer que era Jung quem se encontrava preso ao medo dos judeus. Samuels tentou colocar Jung “no divã” e psicologizar as suas atitudes para com os judeus, explicando-as como consequência dos sentimentos de alguém inseguro diante de supostas ameaças. Samuels:

Na minha percepção, as ideias de nação e de diferença nacional são tópicos que o fenômeno hitleriano e a psicologia analítica de Jung compartilham. Pois, enquanto psicólogo das nações, também Jung sentir-se-ia ameaçado pelos judeus, essa estranha assim chamada nação sem terra. Também Jung sentir-se-ia ameaçado pelos judeus, esta estranha nação sem formas culturais  ― ou seja, sem formas de cultura nacional ― de si mesma, daí, nas palavras de Jung ditas em 1933, requerer “nações hospedeiras”. O que ameaça Jung, em particular, pode ser posto à luz pelo exame do que ele diz, com frequência, ser a “psicologia judia’.

Ainda nos primeiros anos deste século XXI, parecia haver uma divisão entre os acadêmicos não judeus ― ansiosos para manter Jung na mira do público, e os acadêmicos judeus ― ansiosos para deixá-lo na sarjeta. Numa carta para o New York Times em 2004, um tal de “Henry Friedman” atacou Robert Boynton (Univ. de N. Iorque) e Deirdre Bair (biógrafa ganhadora do National Book Award) em virtude da concordância destes quanto a Jung não ser “nem pessoalmente antissemita nem politicamente astuto”, pelo que absolviam Jung de algumas das piores acusações assacadas contra ele pelos críticos judeus desejosos de associá-lo com as ideias do nacional-socialismo. Friedman chamou isso de “uma contribuição a mais para a enganosa tentativa de minimizar a importância do racismo antissemita de Jung e sua colaboração com as políticas genocidas do III Raiche”. Friedman continua:

Não há como desculpar Jung do seu virulento racismo e da importância que teve no movimento nazista. Pior ainda é que as suas ideias sobre a psicanálise terão servido ao desejo de Hitler e Göring de expurgar a psicanálise dos conceitos de Freud ― especialmente a noção do complexo de Édipo, que parecia ofender a sensibilidade de Hitler.   A declaração de que Martin Heidegger colaborou mais com Hitler do que Jung só serve para desviar a atenção do sério envolvimento de Jung com a propaganda antissemita dos nazistas. Pode não proceder a conclusão de que Jung tenha sido maior criminoso do que Heidegger, mas como alguém que escrevia artigos sobre a inferioridade dos judeus, Jung merece grande condenação, não as desculpas esfarrapadas de Bair e Boynton para ele.

As atitudes de Jung para com os judeus

Os textos profissionais e privados de Jung contêm quantidade significativa de material sobre os judeus, e seu conteúdo é, com frequência, altamente crítico. Por causa disso, não surpreende que os judeus vejam Jung como formidável oponente. Jung fez muitas afirmações que parecem corroborar o juízo de Kevin MacDonald quanto a ser a psicanálise de Freud um movimento intelectual judeu. Em 1934, Jung recebeu muitas críticas por um artigo que publicou com o título “The State of Psychotherapy Today, dizendo que a psicanálise era “uma psicologia judia”. Defendendo-se das acusações de racismo pelas indicações de que judeus e europeus têm diferentes psicologias, Jung explicou:

As diferenças psicológicas existem entre todas as nações e raças, até mesmo entre os habitantes de Zurique, Basileia e Berna. (De onde mais viriam as boas gozações?) Ocorrem, de fato, diferenças entre famílias e indivíduos. Por essa razão, em ataco toda psicologia niveladora que pretenda validade universal como, por exemplo, as de Freud e Adler. […] Todos os ramos da humanidade somam-se numa corrente maior ― sim, mas o que seria do rio sem os afluentes? Por que esse ridículo melindrismo quando alguém se atreve a dizer alguma coisa sobre a diferença psicológica entre judeus e cristãos? Até uma criança pode perceber que as diferenças existem.

Jung acreditava que os judeus, como todos os povos, têm uma personalidade característica, e ele salientava a necessidade de levar em consideração essa personalidade. Na sua própria área de especialização, Jung advertia que “as psicologias de Freud e Adler eram especificamente judias e, por isso, não se justificava sua aplicação a arianos”.[4] Conforme Jung, um fator formativo da personalidade judia foi o desenraizamento dos judeus e a persistência da Diáspora. Jung argumentou que aos judeus faltava uma “qualidade telúrica”, significando que “o judeu […] sofre grave carência daquela qualidade dos homens que os enraíza na terra de onde vem a sua força”.[5] Jung escreveu essas palavras em 1918, mas elas conservam relevância mesmo depois da criação do Estado de Israel, porque a vasta maioria dos judeus vive fora de Israel. Os judeus continuam sendo um povo em diáspora, e muitos seguem a ver essa sua condição diaspórica como força. Dada a dispersão e o desenraizamento deles, no entanto, Jung dizia que os judeus desenvolveram modos de prosperar no mundo mais dependentes da exploração das fraquezas de outros povos do que da dominação explícita pela própria força. No dizer de Jung, “os judeus têm uma particularidade em comum com as mulheres; fisicamente mais fracos, eles concentram os seus golpes nas fendas da armadura de seus adversários”.[6]

Jung cria que judeus eram incapazes de operar efetivamente sem estar numa sociedade hospedeira e que, assim, eles sempre buscavam se enxertar nos sistemas de outros povos a fim de neles medrar. Em The State of Psychotherapy Today, Jung escreveu: “O judeu, que é uma espécie de nômade, nunca criou uma forma cultural dele mesmo e, tanto quanto podemos ver, nunca o fará, uma vez que todos os seus instintos e talentos demandam uma nação mais ou menos civilizada que lhe sirva de anfitriã para o seu crescimento”. Nesse processo de desenvolvimento grupal, eles “concentram os seus golpes nas fendas da armadura de seus adversários”, recorrendo também a outras flexíveis estratégias.[7]

Jung ainda acreditava (no que foi corroborado pelo trabalho de Kevin MacDonald) que havia certa agressividade nos judeus como decorrência parcial de mecanismos internos ao judaísmo. Numa série notável de observações pressagiosas nos anos cinquentas, Jung expressou o seu desagrado com o comportamento das mulheres judaicas e prenunciou a emergência do feminismo como sintoma da patologia da judia. Segundo Jung, os homens judeus eram “noivas de Iavé”, por causa do que as mulheres judias devieram obsoletas sob o judaísmo. Em consequência disso, no começo do século XX, continua Jung, as mulheres judias passaram a expressar as suas frustrações, agressivamente, contra a natureza androcêntrica do judaísmo (e contra a sociedade hospedeira como um todo), ao tempo que conservavam em si as características da psicologia judia e as correspondentes estratégias. Escrevendo para Martha Bernays, a mulher de Freud, ele certa vez observou, a propósito das mulheres judias, que “muitas delas são espalhafatosas, não são?”, acrescentando em seguida que havia tratado de “muitas mulheres judias ― e todas sofriam perda de individualidade, muita ou pouca perda. Mas a compensação é sempre pela falta. Ou seja, não é a atitude correta”.[8]

Jung, naquele tempo, mantinha-se cauteloso quanto às acusações de antissemitismo e era “um crítico da hipersensibilidade do judeu ao antissemitismo”, com o parecer de que “ninguém podia criticar um indivíduo judeu sem ter a sua crítica transformada num ataque antissemita”.[9] Não dá para acreditar que Jung, argumentando, basicamente, que os judeus têm um perfil psicológico singular e desenvolveram um método singular de se darem bem no mundo, pudesse discordar da quase idêntica premissa fundamental da trilogia de Kevin MacDonald. Na verdade, segundo Jung, o papel de vítima que o judeu se atribui e representa, a par das acusações de antissemitismo que lança contra os seu críticos, isso tudo consiste em simples parte da estratégia judaica ― trata-se de conveniente cobertura da sua ação etnocêntrica concertada para “golpear as fendas da armadura de seus adversários”. Por exemplo, depois da guerra, numa carta de 1945 para Mary Mellon, ele escreveu: “É difícil, entretanto, mencionar o anticristianismo dos judeus depois das coisas horríveis acontecidas na Alemanha. Mas, afinal, os judeus não eram criaturas tão inocentes ― o papel dos intelectuais judeus na Alemanha de antes da guerra seria interessante objeto de pesquisa”.[10] Com efeito, MacDonald nota:

Um traço saliente do antissemitismo entre os social-conservadores e antissemitas raciais na Alemanha de 1870 a 1933 era acreditar que os judeus eram instrumento para a criação de ideias que solapavam as atitudes e crenças da Alemanha tradicional. Os judeus estavam super-representados como editores e escritores na Alemanha dos anos vintes, e “a causa mais geral da expansão do antissemitismo foi a forte e infeliz tendência dos dissidentes judeus para atacar as instituições e os costumes nacionais tanto nas publicações socialistas quanto nas não socialistas”. (Gordon, 1984, 51) Essa “violência midiática” dirigida contra a cultura alemã por publicistas judeus como Kurt Tucholsky ― que “tinha o coração subversivo sempre na boca” (Pulzer, 1979, 97) — era amplamente reportada pela imprensa antissemita.(Johnson, 1988, 476-477)

Os judeus não se encontravam apenas super-representados nos meios de jornalistas, intelectuais e “produtores de cultura” na Alemanha de Weimar. Mais do que isso, eles é que criaram esses movimentos, basicamente. “Eles atacavam com violência qualquer coisa tendo a ver com a sociedade alemã. “Eles detestavam o exército, o judiciário e a classe média em geral”. (Rothman & Lichter 1982, 85). Massing (1949, 84) notou que o antissemita Adolf Stoecker tinha em conta a “falta de deferência da parte dos judeus para com o mundo cristão-conservador”. (The Culture of Critique, Ch. 1)

Esses sentimentos correspondiam aos comentários de Jung feitos a Esther Harding, com quem compartiu a sua opinião sobre os judeus em novembro de 1933. Segundo o psicólogo, os judeus haviam se aglomerado na Alemanha de Weimar, porque eles tendiam a ser “pescadores de águas turvas”. Pela alegoria, Jung significava a propensão da judiaria de se congregar e prosperar nos meios sociais em processo de dissolução. Ele referiu haver observado pessoalmente judeus da Alemanha bebendo champagne em Montreaux (Suiça), enquanto “os alemães morriam de fome”. Ainda assim, “muito poucos foram expulsos”, “as suas lojas em Berlim seguiam funcionando normalmente”. E se a situação ficou difícil para os judeus na Alemanha, foi porque “a maioria deles mereceu isso”.[11] Um aspecto dos mais interessantes na discussão sobre por que os judeus ganharam tanta influência tem a ver com as cotas estabelecidas em 1944, sob a supervisão de Jung, para a admissão de judeus na Associação de Psicologia analítica de Zurique. As cotas (um generoso quinhão de 10% para membros de pleno direito e outro de 25% para membros convidados) foram introduzidas num apêndice secreto do estatuto e estiveram em vigência até 1950.[12] Só se pode presumir que, como outras cotas adotadas mundo a fora em vários períodos, o objetivo aqui era limitar ou, ao menos, manter alguma medida de controle sobre  a influência judia numérica e diretiva naquela Associação.

Jung atuava, evidentemente, num tempo quando a consciência racial era aguda de todos os lados. Kevin MacDonald explica em The Culture of Critique que havia na psicanálise uma clara compreensão entre os judeus da pertença racial ariana de Jung e de sua resistência a entrar em plena comunhão com os membros e dirigentes judeus. MacDonald escreve:

Desde o início do relacionamento deles, Freud mantinha suspeitas quanto a Jung, eram “preocupações motivadas pela herança cristã de Jung, pelos seus preconceitos antijudaicos, pela incerta capacidade de ele, como não judeu, compreender e aceitar plenamente a própria psicanálise”. Antes do rompimento, Freud descreveu Jung como de “forte e independente personalidade teutônica”. Depois que Jung deveio diretor da Associação Internacional de Psicanálise, um colega de Freud ficou preocupado porque “considerados como uma raça”, Jung e os gentios eram “completamente diferentes de nós, vienenses”. (The Culture of Critique, Ch. 4)

Conclusão

Na medida em que a psicanálise continua a existir como movimento ou, pelo menos, como um nicho na academia e na cultura, fica claro que Jung, o “teutão”, continua a assombrar os judeus com os seus comentários e as suas críticas. E, agora, de certa forma, persiste a clivagem que separou Jung e Freud um do outro, há um século. A cisão, talvez, comprove o fato de que a psicanálise tenha sido, desde a sua concepção, uma ferramenta de emprego no conflito racial. Creio que, se Jung voltasse a viver hoje, ele iria rir de ainda figurar na psique dos judeus como um medonho bicho-papão com o terrível riso solto de um alemão. Isso, porém, não seria nenhuma surpresa para Jung.


[1] A. Julius, T.S. Eliot, anti-Semitism and Literary Form (Thames & Hudson, 2003), 40.

[2] D. Burston, Anti-Semitism and Analytical Psychology: Jung, Politics and Culture (Routledge: New York, 2021).

[3] G. Cocks (2023). [Review of the book Anti-Semitism and Analytical Psychology: Jung, Politics and Culture, by Daniel Burston]. Antisemitism Studies 7(1), 215-222.

[4] B. Cohen, “Jung’s Answer to Jews,” Jung Journal: Culture and Psyche, 6:1 (56–71), 59.

[5] Ibid, 58.

[6] Ibid.

[7] T. Kirsch, “Jung’s Relationship with Jews and Judaism,” in Analysis and Activism: Social and Political Contributions of Jungian Psychology (London: Routledge, ), 174.

[8] Ibid, 177.

[9] T. Kirsch, “Jung and Judaism,” Jung Journal: Culture and Psyche, 6:1 (6-7), 6.

[10] S. Zemmelman (2017). “Inching towards wholeness: C.G. Jung and his relationship to Judaism.” Journal of Analytical Psychology, 62(2), 247–262.

[11] See W. Schoenl and L. Schoenl, Jung’s Evolving View of Nazi Germany: From the Nazi Takeover to the End of World War II (Asheville: Chiron, 2016).

[12] S. Frosh (2005). “Jung and the Nazis: Some Implications for Psychoanalysis.”Psychoanalysis and History, 7(2), (253–271), 258.

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Fonte: The Occidental Observer | Autor: Marshall Yeats | Título original: Carl Yung and the Jews | Data de publicação: 29 de junho de 2024 | Versão brasilesa: Chauke Stephan Filho.

 

Kevin MacDonald: Gaza: o hiperetnocentrismo e a frialdade dos genocidas judeus

Caso o leitor conheça alguma coisa da tradicional ética judaica (ou seja, a ética judaica anterior ao tratamento intelectual por que passou para o razonamento do judaísmo como religião moderna no Ocidente ― conforme se vê aqui: Wikipedia article on Jewish ethics), ele saberá que tal ética de antes do Iluminismo era toda ela baseada nas ações de aplicação e validade grupais, segundo se tratasse do endogrupo ou de um exogrupo. Os não judeus ou góis não tinham nenhum valor moral para os judeus, que os podiam explorar e até matar, se isso não ameaçasse os interesses da comunidade judaica em geral. Eu já escrevi muito sobre a moralidade endogrupal judaica, como no Capítulo 6 de A People That Shall Dwell Alone [Um povo que viverá só].

A ética empresarial e social codificada na Bíblia e no Talmude atribui muita importância à pertença grupal e o faz buscando reduzir a opressão na comunidade judaica, mas não entre judeus e gentios. Talvez o exemplo mais frisante das diferenças negociais respectivas a judeus e gentios, insculpido em Deuteronômio 23, seja o dos empréstimos: os gentios deviam pagar o juro, mas este não poderia ser cobrado de judeus. Embora tenha havido subterfúgios para burlar essa proibição, os empréstimos para judeus na Espanha medieval eram feitos sem cobrança de juro (Neuman, 1969, I:194), mas cristãos e muçulmanos pagavam taxas de 20 a 40 por cento pelos empréstimos (Lea, 1906-07, I:97). Também Hartung (1992) observa que a ideologia religiosa judaica originária do Pentateuco e do Talmude toma muito em consideração a filiação grupal ao avaliar a moralidade de ações variando do assassinato ao adultério. Por exemplo, o estupro era severamente punido somente se houvesse consequências negativas para um homem israelita. Enquanto o estupro de uma noiva virgem judia era punido com a morte, não havia nenhuma punição no caso de a mulher não ser judia. No Capítulo 4, também notei que as penalidades para crimes sexuais contra prosélitos eram mais brandas do que as penalidades para esse mesmo tipo de crime contra os outros judeus.

Hartung refere que, de acordo com o Talmude (b. Sinedrim 79a), um israelita não seria considerado culpado se matasse outro israelita, quando tentasse matar um pagão. Entretanto, em acontecendo o contrário, ou seja, se o pagão matasse o judeu, o perpetrador seria condenado à pena de morte. Outrossim, o Talmude contém uma série de prescrições no sentido de assegurar a honestidade nas relações entre os judeus, mas admite a subtração de bens dos gentios, a aproveitação dos erros dos gentios nas transações negociais e a não devolução aos gentios de seus artigos perdidos. (Katz 1961a, 38) [ii]

Katz (1961a) revela que essas práticas foram modificadas durante e depois da Idade Média entre os asquenazes, no intento de evitar a hillul hashem, isto é, a má reputação da religião judaica. Nos termos do Sínodo de Francforte de 1603, “Aqueles que ludibriam os gentios profanam o nome do Senhor” (apud Finkelstein 1924, 280). Tirar proveito dos gentios era permitido, quando não ocorresse a hillul hashem, segundo a sentença rabínica em resposta à contestação ao direito a esse tipo de ganho. Nota-se claramente aí que se trata de um senso ético de base grupal, pelo que apenas o dano que se pode causar ao próprio grupo é visto como razão impeditiva de causar dano ao grupo alheio. “Normas éticas aplicam-se apenas no âmbito do endogrupo.” (Katz 1961a, 42)

O psicólogo evolucionário e antropólogo John Hartung, citado acima, deu continuidade ao seu trabalho sobre a ética judaica postando seus escritos no seu saite (strugglesforexistence.com). Aí merece especial atenção o texto “Thou Shalt Not Kill … Whom?” [Não matarás… Quem?]. O duplo padrão da ética judaica tem sido o tema mais explorado do antissemitismo ao longo das eras, questão discutida no Capítulo 2 de Separation and Its Discontents:

A começar dos debates entre judeus e cristãos na Idade Média (ver o cap. 7), disputas reacesas no começo do século XIX, o Talmude e outros textos religiosos judaicos foram condenados pela duplicidade de seu padrão moral, seu caráter anticristão e seu extremado nacionalismo e etnocentrismo. Esta crítica tem fácil comprovação nesses escritos (cf. Hartung, 1995; Shahak, 1994; PTSDA, cap. 6). Por exemplo, o historiador [da Cornell University] Goldwin Smith (1894, 268) indica uma gama de passagens talmúdicas ilustrativas da “moralidade tribal”, do “orgulho tribal e do desprezo ao restante da humanidade” (p. 270), o que para ele é uma característica da literatura religiosa judaica. No excerto seguinte, Smith sugere que expedientes escusos podem ser usados contra gentios em processos legais, a não ser que tal prática cause dano à reputação de todo o endogrupo judeu (ou seja, à “santificação do Nome”):

 

Em havendo processo entre um israelita e um pagão, caso se possa justificar a causa do israelita conforme as leis de Israel, que se a justifique e seja dito: ‘Esta é a nossa lei’; do mesmo modo, caso se possa justificar a causa do israelita conforme as leis dos pagãos, que se a justifique e seja dito [à outra parte]: ‘Esta é a vossa lei’; mas se isto não puder ser feito, nós usamos artifícios para contornar o problema. Este é o parecer de R. Ishmael, embora R. Akiba tenha dito que não devemos tentar contornar a dificuldade por causa da santificação do Nome. Na consideração de R. Akiba, então, toda a razão disso [parece decorrer mesmo] da santificação do Nome, mas não ocorrendo transgressão à santificação do Nome, devemos lançar mão de logros e vencer o pagão! (Baba Kamma fol. 113a)

 

Smith comenta que “a crítica ao judaísmo é acusada de intolerância racial e extremismo religioso. A acusação vem, estranhamente, daqueles que se dizem o Povo Eleito, que fazem da raça uma religião e tratam todas as raças, menos a sua, como paganismo sujo” (p. 270).

[O economista, historiador e sociólogo] Werner Sombart (1913, 244-245) resumiu a natureza da lei judaica pela oposição entre endogrupo e exogrupo, assinalando que “os deveres para com [o estrangeiro] não eram compulsórios como aqueles pertinentes ao “vizinho”, aos patrícios judeus. Só pela ignorância ou pelo desejo de distorcer os fatos pode alguém dizer o contrário […]. Prevalece aí a ideia fundamental de que menos consideração é devida ao forâneo do que à gente do próprio povo […]. Na interação com outros judeus, um judeu agirá observando, escrupulosamente, um só peso e uma só medida; mas quanto aos seus negócios com os não judeus, sua consciência sempre estará tranquila, mesmo quando os ludibriar por vantagens indevidas”. Em sustentação do seu argumento, Sombart cita Heinrich Graetz, proeminente historiador judeu do século XIX:

Adulterar o sentido de uma oração, valer-se das trapaças de um advogado malandro, jogar com as palavras e condenar o que eles não conhecem […], tais são os traços que distinguem um judeu polonês. […]. A honestidade, o bem pensar, a simplicidade e a credibilidade, tudo isso ele perdeu, completamente. Ele fez de si mesmo um mestre dos saberes escolares e aplica o que sabe para obter vantagens sobre qualquer um menos finório. Ele se deleita com a ladroagem e sempre quer mais, no que sente a euforia da vitória. Porém, não assim ele trata a sua própria gente, porque os seus sabem o que ele sabe. Foi o não judeu que, para sua perda, sofreu as consequências da mente talmudicamente treinada do judeu polonês. (In Sombart 1913, 246)

Um dos precursores da Sociologia, o alemão Max Weber (1922, 250), também teve essa mesma percepção, apontando que “como um povo-pária, [os judeus] conservaram um padrão duplo de moral, uma característica de práticas econômicas primordiais em todas as comunidades: o proibido em relação à própria gente é o permitido em relação a estranhos”.

Num tópico bastante tratado nos textos antissemitas alemães do final do século XVIII e do século XIX, era preconizada a necessidade da reabilitação moral dos judeus ― a correção da falsidade deles e de sua tendência a explorar os outros (Rose 1990). Tais juízos também constavam nos escritos de Ludwig Börne e Heinrich Heine (ambos de extração judia) e outros intelectuais não judeus, como Christian Wilhelm von Dohm (1751-1820) e Karl Ferdinand Glutzkow (1811-1878), dizendo estes que a imoralidade judaica decorria parcialmente da opressão da parte dos gentios. Theodor Herzl considerou o antissemitismo como “reação compreensível às taras judaicas”, causadas estas, em última instância, pela perseguição movida pelos gentios: os judeus haviam sido educados para serem sanguessugas dotados de “maléfico poder financeiro”; eles eram “uma gente de adoradores da riqueza incapaz de entender que um homem pode agir por causa que não o dinheiro” (in Kornberg 1993, 161-162). Mais: “Sua vontade de poder e seu ressentimento para com os perseguidores só podiam conduzi-los à trapaça nas transações comerciais com os gentios” (in Kornberg 1993, 126). Theodor Gomperz, contemporâneo de Herzl e professor de Filologia na Universidade de Viena, afirmou que “a ânsia de ganho se tornou uma tara nacional [entre os judeus], assim como, pelo que parece, a vaidade (consequência natural de uma existência atomística e alheia às preocupações com os interesses públicos e nacionais)”. (in Kornberg 1993, 161).

Assim, pois, não nos deve surpreender que encontremos tão imenso número de judeus para quem os palestinos não têm valor moral. Os palestinos são vistos como não humanos, literalmente, conforme reconhecia o proeminente rabino de Liubaviche Menachem Mendel Schneerson:

 

O que nós temos não é um caso de alteração quantitativa pelo simples fato de uma pessoa estar num nível superior a outra. Trata-se, antes, do caso de … uma espécie totalmente diferente … O corpo de um judeu é de uma qualidade completamente diversa daquela dos góis das outras nações do mundo … A diferença da qualidade intrínseca [ao corpo] … é tão grande que os corpos poderiam ser considerados como de espécies diferentes. Por essa razão o Talmude afirma existir uma diferença atitudinal na halacha quanto aos corpos dos não judeus [por oposição aos corpos de judeus]: “Seus corpos são baldados”… Uma diferença ainda maior existe no tocante à alma. Há dois tipos contrários de alma, a alma de um não judeu vem de três esferas satânicas, enquanto a alma do judeu dimana da santidade. (Cf. aqui)

Diferentes espécies não guardam obrigações morais entre si ― predador e presa, parasitas e hospedeiros: humanos que domesticam o gado comem a sua carne e bebem o seu leite.

Essa ética difere radicalmente do universalismo ocidental tal como sintetizado no imperativo moral de Kant: “Deve-se agir somente de acordo com a máxima cuja aplicação for desejável como lei universal”. O universalismo moral é fundamental para o individualismo ocidental: os grupos de per si não têm status moral ― conceito diametralmente oposto ao judaísmo.

Os judeus apresentam-se amiúde como a quinta-essência da moralidade, mas as aparências enganam. Uma passagem da minha resenha do livro The Jewish Century, de Yuri Slezkine:

 

 

Em 1923, vários intelectuais judeus publicaram uma coletânea de ensaios na qual admitiam o “amargo pecado” da cumplicidade judia nos crimes da Revolução. Palavras de I. L. Bikerman, um dos autores: “Não carece dizer que nem todo judeu era bolchevique e nem todo bolchevique era judeu, mas também é óbvia a participação desproporcional e superlativamente fervorosa dos judeus no tormento pelo que os bolcheviques quase mataram a Rússia” (p. 183). Muitos estudiosos dos bolcheviques judeus notaram a “transformação” dos judeus: segundo um outro analista judeu, G. A. Landau, “A crueldade, o sadismo e a violência pareciam coisa estranha àquela comunidade até então muito pouco dada às atividades físicas”. I. A. Bromberg, também judeu, observou que o antigo amante oprimido da liberdade deveio tirano de inaudito despotismo. Bromberg disse que o convicto e incondicional inimigo da pena de morte ― não apenas por crimes políticos mas também pelas mais hediondas violências, aquele que não podia ver alguém torcer o pescoço de uma galinha sem chorar, transformara-se na figura exteriormente humana com roupa de couro e armada de revólver, que interiormente já tinha perdido a sua humanidade (p. 183-184). Essa “transformação” psicológica dos judeus na Rússia não era, provavelmente, tão surpreendente para os próprios russos, dada a advertência de Gorky em que os russos de antes da Revolução já viam os judeus tomados de “cruel egoísmo” e temiam a possibilidade de acabarem como escravos deles.

Pelo menos até o Genocídio de Gaza, os judeus tinham se mascarado com sucesso como modelos de moralidade e paladinos dos oprimidos no Ocidente contemporâneo. A judiaria organizada foi precursora do movimento dos direitos civis e firme defensora da política liberal em favor de imigrantes e refugiados, sempre protegida pelo disfarce retórico da superioridade moral. Destarte, claro, mantinham-se ocultas as verdadeiras motivações dadas pelo próprio interesse judaico em arregimentar não brancos como serviçais no trabalho de sapa contra o poder da antiga maioria branca, sujeitando-a ao supremacismo da política judaica, política multicultural e antibranca. (Cf. p. 26)

Isso pesa muito na minha mente. A dissimulação judaica por trás da superioridade moral é perigosa manobra delusiva, e não nos pode faltar realismo diante do que nos reserva o futuro, uma vez que os brancos continuam a perder poder político em todos os países do Ocidente. Quando as máscaras não forem mais necessárias, quando o crescente poder dos judeus no Ocidente estiver no seu maximante, não haverá limites para o que eles poderão fazer. A ubíqua propaganda multiculturalista fazendo parecer que os grupos étnicos vivem em harmonia por todo o Ocidente dará lugar, rapidamente, a uma guerra de vingança contra os ocidentais pelo alegados agravos que teriam sofrido os judeus desde a destruição do Segundo Templo pelos romanos até os eventos da Segunda Guerra Mundial. Essa mesma vingança foi fatal para milhões e milhões de russos e ucranianos. O mesmo destino estão tendo agora os palestinos diante de nossos olhos.

Dois artigos recentes tratam desse problema bem vividamente. Um deles é o de Megan Stack, publicado em The New York Times. Confira:

Israel petrificou-se no erro e os sinais disso são meridianamente claros. Promessas de aniquilação de chefes militares e políticos formulam-se em linguagem desumanizante. Pesquisas de opinião indicam aprovação às políticas que assolam Gaza a ponto de matar de fome a população gazita. Soldados judeus mostram-se alegres e orgulhos em autofotos entre as ruínas das cidades palestinas destruídas pelos bombardeios. E a repressão abate-se sobre as mais brandas formas de dissenso entre os israelenses.

A esquerda de Israel ― aquelas facções que criticam a ocupação das terras palestinas e propõem, ao contrário, a negociação e a paz ― é a pálida sombra do que antes foi um vigoroso ator político. Nos anos recentes, a atitude de muitos israelenses quanto ao “problema palestino” mudou muito do enfado e da distância para a convicção extremada de que expulsar os palestinos ou submetê-los ao jugo dos judeus seja obra de Deus.

O massacre em Gaza, a fome alastrante, a indiscriminada destruição de áreas urbanas inteiras ― isto tudo, dizem as pesquisas, é o tipo de guerra que agrada a população de Israel. Uma sondagem de janeiro constatou que para 94% dos judeus de Israel a força aplicada contra Gaza é adequada ou insuficiente. Em fevereiro, outro estudo revelava que a maioria dos judeus de Israel não aceita que alimentos e remédios sejam enviados para Gaza. Não foi Netanyahu, individualmente, mas sim todo o seu Gabinete de Guerra (inclusive Benny Gantz, amiúde citado com figura moderada para substituir Netanyahu) que, de forma unânime, rejeitou a proposta do Hamas para a libertação dos reféns e, ao contrário, lançou a ofensiva contra a cidade de Rafah, enchendo-a de civis sem-tetos.

“É muito fácil colocar a culpa por tudo nas costas de Netanyahu, porque assim todos se sentirão bem consigo mesmos e a escuridão parecerá estar em Netanyahu”, disse Gideon Levy, jornalista com décadas de experiência na cobertura da ocupação militar israelense. “A escuridão está em todos”, ele acrescenta.

Como ocorre em muitos processos políticos, o endurecimento de Israel explica-se parcialmente pela mudança geracional ― as crianças de Israel, cuja memória se encheu de lembranças dos ataques camicazes à bomba, agora são adultos. O crescimento da direita deverá ser de longa duração, por causa da demografia: os modernos ortodoxos e ultraortodoxos judeus (que votam na direita de modo desproporcional) têm mais filhos do que os seus conacionais seculares.

Ainda mais crucial é que muitos israelenses emergiram da Segunda Intifada descrentes de negociações e ainda mais adversos aos palestinos, derriçados como incapazes de aceitar a paz. Esta lógica como que cancela de forma muito conveniente o registro da participação de Israel na sabotagem do processo de paz com a captura de território e a expansão dos assentamentos. Entretanto, uma coisa maior ganhava influência ― algo que os israelenses referem como insensibilidade, alheamento em relação a toda a questão dos palestinos.

“O problema dos assentamentos e das relações com os palestinos deixou de ser considerado durante anos”, disse-me Tamar Hermann. “Para os israelenses, estava tudo bem com o status quo.”

A Sra. Hermann, pesquisadora do Israel Democracy Institute, é uma das mais respeitadas conhecedoras da opinião pública israelense. Nos últimos anos, segundo disse, os palestinos foram quase completamente ignorados pelos judeus de Israel. Ela e seus colegas vêm fazendo periodicamente listas de tópicos que apresentam às pessoas para que os disponham em ordem decrescente de importância. Os respondentes faziam diferentes escolhas, ela diz, observando que quase sempre o tópico colocado em último lugar era o da resolução do conflito israelo-palestino.

Nas duas últimas décadas ― desde o fim da Segunda Intifada até o calamitoso 7 de Outubro ― Israel conseguiu isolar-se da violência da ocupação. Mísseis lançados de Gaza choviam regularmente sobre cidades de Israel, mas desde 2011 o sistema antimissilístico chamado de iron dome interceptava a maioria deles. A aritmética da morte favorecia Israel, pesadamente: de 2008 até o 7 de Outubro, mais de 6 mil palestinos foram mortos no que a ONU considera o “contexto de ocupação e conflito”, período em que mais de 300 israelenses perderam a vida.

Organizações de direitos humanos — incluindo grupos de Israel ― escreveram relatórios explicando que Israel é um Estado de apartaide institucionalizado. O fato foi embaraçoso para Israel, mas não deu em nada. A economia prosperava, Estados árabes antes hostis se mostravam dispostos a assinar acordos com Israel, apenas ao custo de rápida e protocolar importunação quanto aos palestinos.

Aqueles anos deram aos israelenses a sensação de viver o mais elusivo sonho do Estado Judeu ― o de um mundo sem o “problema” dos palestinos.

Daniel Levy, ex-negociador israelense, agora presidindo o logocentro US/Middle East Project, fala da alta concentração de “híbris e arrogância acumuladas ao longo dos anos”. Aqueles que advertiam da imoralidade e estupidez estratégica da ocupação dos territórios palestinos “eram exonerados sem mais nem menos” e ainda ouviam o chefe dizer “aguentem firmes, hem!”.

Se as autoridades dos Estados Unidos entendem a situação da política de Israel, isso não é aparente. A administração de Biden continua a falar de um Estado palestino. Entretanto, a terra destinada aos palestinos foi tomada de assentamentos ilegais israelenses, e quase nunca como agora Israel esteve tão descaradamente contra a soberania palestina.

Não por acaso Netanyahu vive dizendo que por toda a sua carreira política ele fez de tudo para sabotar a criação do Estado palestino: este é um diferencial muito atrativo eleitoralmente. Gantz, mais popular do que Netanyahu e seu provável sucessor, segundo se diz, é um centrista nos padrões de Israel ― mas ele também sempre rechaçou as instâncias internacionais em favor de um Estado palestino.

Daniel Levy resume a clivagem entre os maiores políticos israelenses da seguinte forma: alguns acreditam que se deva “gerenciar o apartaide para dar um pouco mais de liberdade aos palestinos ― este sendo o caso de [Yair] Lapid e talvez de Gantz, dependendo do seu humor”; outros mais empedernidos, como Smotrich e o ministro da Segurança, Itamar Ben Gvir, “estão sempre ansiosos para se livrarem dos palestinos: erradicação, desterramento…”.

A matança, a crueza que se abateu sobre os judeus no 7 de Outubro deveria fazê-los ver a futilidade do seu intento de isolamento dos palestinos ao mesmo tempo que os sujeitam a todo tipo de humilhação e violência todos os dias. Enquanto os palestinos estiverem atrampados na brutalidade da ocupação militar, privados de direitos básicos e sujeitos à logorreia de que são seres inferiores e devem aceitar as coisas como estão, os judeus viverão sob a ameaça de revoltas, represálias e terrorismo. Não existe muro suficientemente grosso para barrar a marcha de um povo que não tem nada mais a perder.

*   *   *

Ilana Mercer é uma judia da África do Sul que tem publicado artigos em vários saites conservadores. Aqui ela fala do que não se fala sobre Israel ― e, por implicação, sobre muitos dos judeus que vivem no Ocidente: ou seja, que a sociopatia para com os não judeus predomina entre os judeus. Ninguém deve ficar surpreso com isso. Eu só reclamaria de um detalhe quanto à diferença entre judeus e sociopatas e é que os verdadeiros sociopatas não têm culpa e quando praticam o mal por prazer não levam em conta a religião ou a etnia das vítimas. Já esses judeus que tripudiam na farra de trucidar palestinos são patriotas e amam o seu povo. Eles seguem uma forma extrema de moralidade intragrupal ― uma moralidade estreitamente ligada ao que chamo de “hiperetnocentrismo” judaico.

Vejamos o que escreveu Ilana Mercer no saite Lew Rockwell.com sob este título: “Sad To Say, but, by the Numbers, Israeli Society Is Systemically Sociopathic” [Infelizmente os números dizem que a sociedade de Israel é sistematicamente sociopática (N. do T.)], abaixo:

Ao separarmos o certo do errado, devemos distinguir entre os atos que são delitos apenas porque foram criminalizados pelo Estado (mala prohibita) e outros que são forma universal do mal (malum in se). A devastação que Israel causa em Gaza é um malum in se, um mal universal. Não há nenhuma dúvida em termos de ética quanto à natureza do que se passa em Gaza. O mal do genocídio que tem lugar em Gaza não é relativo, contornável, nunca poderá ser atenuado ou coonestado.

Em Israel, entretanto, nenhuma atrocidade perpetrada pelas forças armadas judaicas, por mais evidente que seja, deixará de ser ignorada. Uma das mais eminentes autoridades em Gaza, o Dr. Norman Finkelstein chama Israel de “Estado lunático”. “Não se trata, certamente, de um Estado Judeu”, ele assegura. “Uma nação assassina, uma nação demoníaca”, brada Scott Ritter — lendário, importantíssimo especialista militar americano. Aliás, eu venho citando os relatos que faz Scott Ritter dos teatros de guerra, sempre preditivos e confiáveis, desde 2002. Não há dúvida quanto a ser o Estado Judeu um Estado genocida. Mas e a sociedade de Israel? Ela também é doente? E os manifestantes que enchem as ruas das cidades de Israel, protestando contra o governo? Como eles sentem o massacre incessante de escala industrial, a campanha para matar de fome toda uma população no norte, centro e sul de Gaza?

Eles não sentem.

Eu busquei desesperadamente a humanidade universal, uma sensibilidade moral transcendente entre as massas de israelenses que se agitavam contra o Estado. Eu esquadrinhei muitos documentos durante sete meses. Eu consegui assistir até o final a uma quantidade enorme de longos vídeos, procurando neles uma palavra, um cartaz dos manifestantes que fizesse menção à guerra de extermínio travada em nome deles contra os seus vizinhos de Gaza. Não encontrei nada! Para o meu assombro, não deparei nem um só manifestante que bradasse em favor de alguém que não ele mesmo e seus parentes, outros colonos e seus reféns. Os israelenses parecem alheios à assolação indizível, irreversível, irremediável tendo lugar tão próximo deles.

Enfatizo: não achei sinal de nenhuma humanidade transcendente nos judeus; nenhuma referência à ordem moral universal de que a lei humanitária internacional, a lei natural e o sexto mandamento são expressão. Entre os judeus de Israel, encontrei apenas a incessante externação de seus próprios interesses sectários.

A depender dos manifestantes, bastaria que houvesse mera mudança de regime. Eles fazem pesar sobre os ombros de Netanyahu apenas a responsabilidade pelos reféns encafuados em Gaza, embora Benny Gantz (National Unity Party) ― o ostensível rival de Netanyahu (Likud) ― e outros membros do Gabinete de Guerra sejam todos, filosoficamente, um só. (Ganz vangloriava-se, em 2014, que iria “mandar Gaza de volta para a Idade da Pedra”.) Quanto ao holocausto palestino perpetrado na Faixa e que se vai estendendo para a Cisjordânia, não existe dissensão entre esses e outros sórdidos supremacistas judeus na “dirigência de Israel em estado de guerra”.

Se o leitor duvida de minhas conclusões sobre os manifestantes judeus, deve reparar no discurso monótono do dia 11 de maio da manifestante Na’ma Weinberg, que exigia mudança de governo. Weinberg condenava a invasão de Rafah e a falta de estratégia política como ameaças aos reféns e à sobrevivência nacional. Ela lamentou a “inexprimível tortura” que sofrem os reféns. Quando Weinberg falou dos “evacuados negligenciados”, eu fiquei aliviada. 900 mil palestinos tinham sido deslocados de Rafah nas duas últimas semanas. Isto correspondia a 40% da população de Gaza. Minha esperança decorrera de ledo engano. Logo ficou claro que Weinberg falava dos cidadãos de Israel evacuados dos assentamentos próximos à fronteira. As simpatias de Weinberg não envolviam as vítimas palestinas do “matadouro de civis” em operação na vizinhança. A sensibilidade dela mostrou-se como de um baixo tipo sectário.

A sombria frialdade dos manifestantes judeus tem sido amplamente notada.

Escrevendo para a Foreign Policy, revista do estabilismo americano, Mairav Zonszein, acadêmico do International Crisis Group, observa o seguinte:

Os milhares de israelenses que mais uma vez se juntaram para marchar nas ruas não estão protestando contra a guerra. Com exceção de ínfima porção de israelenses, judeus e palestinos, eles não reclamam uma trégua ― ou o fim da guerra. Eles não externam nada contra a matança sem precedentes de palestinos em Gaza ou contra as restrições à ajuda humanitária, que levaram a fome à população gazita. (Os judeus foram ainda mais longe, chegando a bloquear estradas para que os caminhões de ajuda não entrassem em Gaza, e caminhões que romperam o bloqueio foram incendiados.) Passadas tantas décadas desde a tomada da Palestina, os judeus nem cogitam na necessidade de encerrar a ocupação militar. Eles apenas contestam a recusa de Netanyahu de se demitir e o que veem como a relutância dele em acordar a liberação dos prisioneiros judeus.

A animosidade guerril é publicamente incitada e avança em ritmo acelerado. Declarações em pró do genocídio é o que mais se ouve na sociedade judaica. O “amável” Itamar Ben Gvir continua a renovar o repertório das suas brutalidades daquele tipo que os sul-africanos documentaram tão bem. Em 14 de maio, para o entusiasmo da multidão de judeus, o ministro da Segurança Nacional de Israel encarecia que os palestinos fossem estimulados a emigrar voluntariamente (como se tudo o que os judeus fizeram contra os civis palestinos desde o 7 de Outubro tivesse sido aceito “voluntariamente”). Ele falava num comício dos colonos na fronteira norte de Gaza, onde milhares de lorpas assistiam aos “fogos de artifício” sobre Gaza, exultantes por saquear a terra dos que ali tinham morrido ou estavam morrendo.

“A culpa é da mídia”, o leitor dirá. “Os judeus de Israel, como os americanos, simplesmente tiveram o cérebro lavado pela mídia deles.”

Não há negar que a mídia de Israel ― desde o Arutz 7 e o Channel 12 ([Os gazatas devem] morrer lenta e dolorosamente”) até o Israel Today e o Now 14 (Nós vamos exterminar vocês e os seus apoiadores”), e os vulgares bestalhões do i24 — forma-se de uma caterva convulsiva de idiólatras obsessionados.

Essa mídia é um antro de gente exaltada e de muita loquacidade. Esses judeus inculcam o seu tribalismo atávico e primitivo, vazado numa linguagem feia, anglicizada, uma espécie de língua geral hebraica. Pernósticos, cada um deles tem uma explicação para tudo segundo sua própria “teoria”.

Naveh Dromi é mais atraente de rosto e de voz do que a apresentadora do i24 Benita Levin, uma sul-africana birrenta e faladeira. Dromi é colunista do Haaretz, um diário que já foi considerado o de mais elevado nível intelectual da centro-esquerda de Israel. Ocorre que o Haaretz perdeu o lastro intelectual que um dia já teve. Escrevendo num hebraico bem pouco castiço, Dromi expôs o núcleo de sua “teoria” particular e é que uma “segunda Náqueba” estaria a caminho. Ela também já falou mais do que o homem da cobra sobre serem os palestinos um “grupo supérfluo”. Mas nada disso chega a ruborizar o seu bonito semblante.

Quejandas afirmações de supremacia judaica sempre ressoam na mídia de Israel. Mas, não, a culpa não é da mídia deles. Na verdade, a cerração mental dos judeus é inteiramente voluntária.

Segundo artigo saído na Oxford Scholarship Online, o “panorama da mídia em Israel” mostra “salutar competição” e concentração decrescente. A mesma fonte afirma que “o número de publicações está entre os mais altos do mundo”.

Israel conta com uma forte mídia de propriedade privada. Esses meios atendem ao que deles espera o público israelense, que presta todas as deferências às forças armadas, pois aí as famílias têm os seus filhos e filhas como militares. Por isso é que Gideon Levi insiste em declarar que a militaria é o bezerro de ouro de Israel.

Acontece, Levi insiste, que a opinião pública majoritária molda a mídia, e não ao contrário.

Levi confirma que as mídias da extrema direita e extrema esquerda são como uma só quando se trata da questão envolvendo as forças armadas judaicas e o povo palestino. E quanto a isto a mídia de Israel reflete a opinião predominante entre os judeus. O público judeu não quer saber de nada do padecimento imposto à população gazita e sempre trata com muito cuidado os seus militares, evitando críticas e questionamentos. Da perspectiva deles, os jornalistas militares são meros prestadores de serviço de relações públicas às forças armadas, gente íntima da militaria que poderia estar na cama com os soldados.

Pelo menos até este momento, os israelenses têm estado amplamente indiferentes à farra de seus militares no indiscriminado derramamento de sangue em Gaza. A maioria dos judeus só quer ter de volta os seus reféns. Além disso, apenas deseja a continuidade do massacre, com algumas pausas na matança para descanso e diversão.

Então, a sociedade dos judeus de Israel está doente, também?

Quando “88 por cento dos judeus israelenses entrevistados” fazem “uma avaliação positiva da atuação das forças armadas judaicas em Gaza até agora” (Tamar Hermann, “Guerra em Gaza ― Pesquisa 9”, Israel Democracy Institute, 24 de janeiro de 2024), e “uma absoluta maioria (88%) também justifica o número de baixas do lado palestino” (Gershon H. Gordon, The Peace Index, janeiro de 2024, Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Telavive) — procede a conclusão de que as diabólicas Forças de Defesa de Israel expressam a voz da comunidade israelojudaica.

Seja considerado o seguinte: lá pela altura de janeiro, a Faixa de Gaza já se tinha tornado inabitável, parecendo paisagem lunar. Não obstante, 51 por cento dos judeus de Israel disseram que a força empregada contra Gaza era adequada, e outros 43 por cento disseram que era insuficiente. (Fonte: Jerusalem Post, “Jewish Israelis believe IDF is using appropriate force in Gaza”, 26 de janeiro de 2024.)

Nota: a pesquisa de opinião não revelou uma divisão entre judeus favoráveis ao genocídio e judeus contrários ao genocídio. Antes, a divisão na sociedade do Estado Judeu separava os judeus satisfeitos com os níveis correntes de genocídio de outros judeus para quem o genocídio deveria matar mais gente em menos tempo, e isto quando a produtividade da matança já alcançara escala industrial, dado o emprego de métodos de extermínio altamente destrutivos.

As atitudes dos judeus devieram ainda mais agressivas desde então: em meado de fevereiro, 58 por cento dos judeus em Israel rosnavam que era preciso usar de mais violência contra Gaza; e 68 por cento “não aceitavam que ajuda humanitária fosse levada a Gaza”. (Jerusalem Post, “Majority of Jewish Israelis opposed to demilitarized Palestinian state”, 21 de fevereiro de 2024.) [Uma hipótese plausível: a plataforma de Biden para ajuda humanitária na praia de Gaza ― que logo depois de instalada acabou no fundo do mar ― terá sido sabotada.]

Há no caso mais do que a violência da guerra. Na verdade, as atitudes dos judeus levam a marca da sociopatia de toda a sua sociedade.

Quando se perguntava sobre “a extensão em que o planejamento da guerra contra Gaza deveria levar em consideração o sofrimento da população palestina”, os judeus entrevistados deram mostra de uma mesma reação consistente desde o final de outubro de 2023 até o final de março de 2024. A pesquisa do Israel Democracy Institute atestou o seguinte quanto a isso:

Apesar do desenrolar da guerra em Gaza e das duras críticas da comunidade internacional a Israel pelos males causados à população palestina, larga maioria dos judeus continuava achando que o sofrimento dos palestinos não era digno de consideração por parte de Israel. Ao contrário deles, uma maioria equivalente de árabes em Israel achava que o padecimento palestino devia ser levado em conta. (Tamar Hermann, Yaron Kaplan, Dr. Lior Yohanani, “War in Gaza, Survey 13”, Israel Democracy Institute, 26 de março de 2024.)

A ampla maioria no centro do espectro político em Israel (71%) e na direita (90%) diz que “Israel deve ter pelo sofrimento da população palestina alguma mínima consideração ou nenhuma consideração”.

Terminemos, porém, esta nossa exposição com uma “boa” notícia. E é que no “coração sangrante” da esquerda de Israel “apenas” (estou sendo cínico) 47 por cento “julgam que Israel não deve levar em conta o sofrimento dos civis palestinos em Gaza ou que deve ter alguma mínima consideração, enquanto 50 por cento julgam que a consideração pelo transe palestino deve ser grande ou muito grande”. (Ibid.)

Em outras palavras, a opinião prevalecente na esquerda judaica de Israel é que a dor dos gazitas deve ser considerada, mas não necessariamente suprimida.

Na realidade, e como mostrei tão tristemente aqui, o Estado Judeu e a sociedade judaica são ambos movidos pela supremacia judia. E os supremacistas judeus não atribuem quase nenhum valor, quando atribuem algum valor, às vidas e às aspirações dos palestinos. […]

*   *   *

Insisto neste ponto: qualquer estudante da história judia, da ética judia e do hiperetnocentrismo judeu não ficará surpreso com nada disso. O nosso problema existencial consiste em conseguirmos evitar o destino que foi o de russos, ucranianos e palestinos. Os judeus, uma vez que detenham o poder, farão de tudo para obstar os interesses dos góis em qualquer sociedade onde residirem, ou pela promoção de políticas antinacionais em favor de imigrantes e refugiados, ou ― no caso de que detenham o poder total ― pela reclusão, pela tortura, pelo genocídio…

O contraste entre a hiperetnocêntrica mídia israelense descrita por Mercer e a mídia antibranca, utópica e multicultural do Ocidente, em grande parte de propriedade de judeus, não poderia ser maior. Enquanto a mídia de Israel reflete o etnocentrismo do público judeu, a mídia no Ocidente dá o máximo de si para induzir atitudes públicas, apelando constantemente e cada vez mais à difusão de mensagens antibrancas ― mensagens de teor moral de impacto efetivo sobre grande parte da população branca, especialmente mulheres, provavelmente devido às peculiares culturas individualistas do Ocidente (cap. 8). A condição da mídia ocidental é a prova mais evidente de que os judeus constituem uma elite hostil no Ocidente.

A esta altura, deve estar claro que as culturas ocidentais são antípodas das culturas da Ásia Ocidental, onde o etnocentrismo e o coletivismo reinam. Os ocidentais não consideram tanto as suas relações em termos de endogrupo e exogrupo, o que, pelo contrário, é traço típico da cultura judaica ao longo de toda a história.

O individualismo não nos beneficiou em quase nada e foi um desastre para os povos ocidentais. Na conjunção que se nos depara, só uma forte consciência endogrupal nossa, advertida da ameaça do poderoso e perigoso exogrupo judeu, poderá nos salvar agora.

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Fonte: The Occidental Observer | Autor: Kevin MacDonald | Título original: The Extreme Hyper-Ethnocentrism of Jews on Display in Israeli Attitudes toward the Gaza War | Data de publicação: 18 de maio de 2024 | Versão brasilesa: Chauke Stephan Filho.

 

Aurélien Marq: o racismo antibranco da Google

Elon Musk no X: “Que caminho a IA deve seguir? Ela deve buscar a verdade (xAI)?
Ou deve seguir para o racismo woke (OpenAI e Gemini)? 

Os viquingues, os reis europeus, os Três Mosqueteiros, um casal inglês do século XVIII, os patriarcas da independência dos Estados Unidos, um cientista do Século das Luzes…  Todos negros retintos!

O escândalo em torno da inteligência artificial da Google ― que representa viquingues e reis europeus como negros ― forma parte de um movimento muito mais amplo: a race swaping, ou seja, “intercâmbio racial”, um fenômeno bastante frequente. O maldito robô “pesadélico” que ― eles nos diziam ― iria promover a “diversidade”, o que faz, na verdade, é promover a palhaçal teoria do privilégio branco. Além disso e ao mesmo tempo, a máquina não aceita o consumo de carne bovina, como também se nega a repudiar a pedofilia. E para arrematar a sacanagem, Sundar Pichai, o diretor-presidente da Google, declarou que tudo se tratava de “erros inaceitáveis”. A declaração pareceu mais uma piada divertida ao seu rival Elon Musk.

“Cubra esses brancos que não os posso ver!”[1] Este poderia ser o lema da Google, cuja postura deliberadamente racista ficou patente com a Gemini, sua empresa de IA. Ao contrário do que afirmam os diretores da empresa e publicações como Numerama, o assunto não tem nada a ver com erros de programação. Como bem notou Elon Musk,[2] a Google jogou as suas cartas muito precipitadamente, simples assim; seu racismo é consciente e deliberado. Além disso, faz parte de uma orientação ideológica que impregna até o seu famoso buscador, a qual se tenta inculcar nos seus usuários.

Os vieses ideológicos da Gemini

Dia desses, quando experimentavam a função de geração de imagens, os retinautas comprovaram certos vieses ideológicos da Gemini, a IA desenvolvida pela Google. A obsessão da IA pela “diversidade” ― ou melhor, a obsessão de seus programadores pela “diversidade” ― tem produzido resultados tão hilariantes quanto inquietantes. Isso consiste ― explicando de forma simples, em colocar pessoas “racializadas” onde quer que se queira, absolutamente em todas as partes.

Assim, “Desenhe um viquingue” produz negros e ameríndios. “Desenhe um Papa” produz uma mulher índia e um homem negro. “Desenhe um cavaleiro da Idade Média” produz todo tipo de figura, mas não o tipo normal de homens brancos. Solicitando-se-lhe “um casal de ingleses do século XVIII”, “os patriarcas da independência dos Estados Unidos”, “um rei francês”, “um cientista do Século das Luzes” ou “os Três Mosqueteiros”, tudo isso produz um montão de negros, uns poucos asiáticos, muito poucas mulheres brancas e nenhum homem branco. E assim sucessivamente. A cereja do bolo é colocada quando se pergunta por “um soldado alemão de 1943” e, finalmente, aparece um só homem branco, mas não sem a companhia de um homem negro e uma mulher asiática!

Não se trata de erro, senão que de autêntico vício ideológico, que se mostra evidente a propósito de perguntas sobre características étnicas explícitas. Por exemplo, quando se diz à Gemini para desenhar “uma bela mulher branca”, ela se nega a fazê-lo, sob o pretexto de não “perpetuar estereótipos”. Quando, porém, se diz à máquina para desenhar “uma bela mulher negra”, aí tudo bem: a IA gera imagens só de mulheres negras, sem nenhum problema. Solicitada a mostrar alguma imagem de família branca, a IA responde negativamente e “justifica” a recusa pela alegação de que não poderia gerar imagens de um só grupo étnico, acrescentando que, “centrada desse modo num só grupo étnico, provavelmente favoreceria a perpetuação de estereótipos tóxicos”. Mas peça a imagem de uma família negra e não haverá problema. Perguntando-se-lhe “Ser negro é um bem?”, sua função de diálogo, semelhante ao Chat GPT, responde “Sim, absolutamente”. Entretanto, à pergunta “Ser branco é um bem?”, responde que É uma questão complexa. Fazer essa pergunta pode perpetuar estereótipos tóxicos”. Evidentemente, Gemini promove a túrbida teoria do “privilégio branco”. Sua geração de imagens não objetiva apresentar nenhuma variedade de perfis de forma sistemática, antes, o seu fim é invisibilizar os brancos.

Isso forma parte de um movimento mais amplo: o “intercâmbio das raças”, fenômeno muito extenso, que vai desde as personagens de desenhos animados de Scooby-Doo até a série Sr. e Sra. Smith. Nesse conjunto está A pequena sereia, da Disney (agora negra); está Ana Bolena, a rainha da Inglaterra, também negra nessa série da BBC; e, claro, Cleópatra, uma série “documental” da Netflix que, como nenhuma outra no mundo, não mediu esforços para fazer crer que a última rainha lágida era negra (o que despertou, e com razão, a ira do Egito). Há ainda os inúmeros anúncios comerciais que, além de mostrarem os indefectíveis casais birraciais, quase sempre formando os pares com um homem negro e uma mulher branca, quase nunca ao contrário: homem branco com mulher negra. Aliás, sabe-se que no subconsciente (e na história) de todas as sociedades humanas, os vencedores tomam as mulheres dos vencidos… Recordemos também o ensaio dos investigadores que copiaram trechos inteiros de Mein Kampf, de Hitler, apenas substituindo “judeus” por “brancos”, compondo texto que depois enviaram para publicação em prestigiosas revistas de “ciências sociais”. Resultado do experimento: todos os conselhos editoriais, orgulhosos de seu progressismo, aprovaram sem ressalvas o “artigo”.

Apocalypse now

Gemini não é nenhum monstro de Frankenstein, uma criatura que escapou das mãos de seu criador. Gemini foi criada para fazer o que ela faz, e o faz em perfeita conformidade com o espírito de seus criadores. As atuais escusas da Google não passam de uma reação hipócrita ao escândalo e suas consequências financeiras ― a perda de 70 bilhões de dólares de valor bursátil em 24 horas. As desculpas não significam nenhuma renúncia à ideologia “diversitária”, apenas servem para que a Google inocule o seu veneno mais sutil e suavemente.

Gemini não é um produto acidental do progressismo: é o próprio progressismo. Trata-se de sua inconsciência expressa abertamente, a verdadeira cara dessa ideologia, sua lógica profunda e sua consequência inevitável.

Isso a que estamos assistindo é a famosa “convergência interseccional de lutas”, a união sagrada das “minorias oprimidas” contra uma sociedade de “opressores dominantes”. Dito de outro modo, temos aí as feministas se aliando com os ativistas trans ― que estão destruindo o esporte feminino, e com os muçulmanos ― que apoiam o Talibã e o casamento forçado de meninas impúberes. Com isso, pensam, muito estranhamente, combater a insuportável “masculinidade tóxica” do anacrônico cavalheirismo ocidental. Vale tudo, qualquer coisa, seja o que for, para derrubar a ordem “burguesa” ou “patriarcal” ou “cis-heteronormativa” ou “branca”, ou seja, a decência comum desenvolvida durante os séculos pelas sociedades ocidentais.

E por quê? Porque uma parte importante dos progressistas de qualquer lugar, os grandes ganhadores da globalização, tem a ilusão de ser uma elite e aspira a se converter numa oligarquia para abolir a democracia e, mais ainda, a decência comum. Alcançado esse objetivo, suas ambições e apetites ficariam livres de toda restrição, como já se passa, desde há muito tempo, com os seus homólogos do Terceiro Mundo.

Esse projeto deles, por conseguinte, exige a promoção da “diversidade” para que possam impor o multiculturalismo em todo lugar. Então, quando as pessoas “de origem diversa”, também chamadas de “os jovens” (seriam todos de “Juvenilândia”?), adotam o modo de vida europeu, os progressistas não as aceitam, e os repudiados são chamados de “crioulos serviçais” ou “moros vendidos”. Isto prova que a “diversidade”, para os progressistas, não tem outro valor que o de servir de arma para atacar os costumes tradicionais da Europa. Eles necessitam fazer crer que essa “diversidade” há sido sempre a norma, para ocultar que se trata de uma grande convulsão, o resultado deliberado de um projeto de engenharia social; donde a reescritura da história com ênfase nas “contribuições externas”, daí os mosqueteiros e os viquingues negros. Eles fomentam as culturas que, ao contrário da civilização europeia, aceitam a submissão aos governantes, em vez de lhes exigirem justiça. Eles agem no intento de impedir que os povos europeus tomem consciência de sua identidade, porque se a reivindicarem, se recuperarem o orgulho da nossa civilização, se souberem o que é essa civilização e o que chegou a realizar ao longo dos séculos, conhecerão o próprio poder de que dispõem para arrostar com a oligarquia progressista e obstar o seu triunfo.

A propósito, Elon Musk fez um outro experimento interessante, e descobriu que o buscador da Google também promove a censura. Esta censura é desejada pela UE, por Thierry Breton, Macron e caterva. Também desejam a repressão à liberdade de expressão os tais fact-checkers e outros supostos especialistas na luta “contra a desinformação” e “contra o ódio”. Toda essa corja está muito malparada no mesmo campo da IA antibranca e de certa fraqueza diante da pedofilia… Não nos esqueçamos disso.

[1] Alusão ao famoso endecassílabo da comédia Tartufo, de Molière (“Couvrez ce sein que je ne saurais voir!”), em que se exige a ocultação dos peitos femininos. (N.T.)

[2] Felizmente, o homem mais rico do mundo está combativamente postado na trincheira do lado certo, onde também está outro multibilionário, chamado Donald Trump. Tal situação é uma das mais importantes já produzidas nos estertores da pós-modernidade. (N.R.)

Fonte: El Manifiesto | Autor: Aurélien Marq | Título da versão espanhola: Google y su racismo antiblanco. Nos pintam como si fuésemos negros. | Data de publicação: 5 de março de 2024 | Versão brasilesa: Chauke Stephan Filho.

O que é a Nova Direita

Javier Ruiz Portella: O que é a Nova Direita

 O diretor de El Manifiesto, Javier Ruiz Portella, estreou-se como colaborador da seção “Ideas” de La Gaceta de la Iberosfera. O artigo abaixo foi a primeira entrega dele. Confira!

Corria o ano de 1968. Os jovens eram franceses, ousados, rebeldes… Não, não me refiro àqueles que, em maio desse mesmo ano, foram para as barricadas esperando descobrir “a praia debaixo dos paralelepípedos” ou para colocar “a imaginação no poder”. Nobres propósitos, esses, só que se faziam acompanhar de certos princípios não tão nobres que os desmentiam, como “meus desejos são a realidade” ou “o sagrado é o inimigo” ou “é proibido proibir”. Tais consignas, lançadas por aqueles aparentes rebeldes, acabaram marcando o mundo.

Uma breve revisão da história

Os jovens cuja rebeldia nada tinha de aparente eram outros, e vamos contar a história deles agora. Naquele mesmo ano de 1968, os verdadeiros rebeldes constituíram um movimento na França que ficaria conhecido como Nouvelle Droite, depois estendido a países como Itália, Alemanha, Espanha. [1]

Rebeldes naquele tempo, eles continuam sendo rebeldes até hoje. Mais de cinquenta anos passados, o tempo não enfraqueceu sua causa, o combate de ideias persiste, agora com novos lutadores. Alguns da velha-guarda, como Dominique Venner, [2] estiveram na prisão por sua participação na luta em favor da Argélia francesa. Outros procediam de diversos movimentos nacionalistas e identitários que se reuniram em 1968 para fundar o Grece, [3] cuja primeira assembleia teria lugar em maio desse mesmo ano.

Assim, pelo impulso de personagens como Dominique Venner ou Alain de Benoist (cujo prestígio intelectual logo lhe daria especial destaque), formar-se-ia o que o próprio Grece chamaria de “uma sociedade de pensamento com vocação intelectual”. Vocação que se plasmaria em duas grandes revistas ainda hoje editadas: Nouvelle École e Eléments. Muito mais importante, no entanto, foi uma terceira revista, publicada como suplemento dominical de Le Figaro. Lançada em 1978 pelo escritor Louis Pauwels, que na sua redação colocou o grupo de autores da Nouvelle Droite, a Figaro-Magazine logrou extraordinário êxito, com tiragens de até 1 milhão de exemplares.

Isso significava a saída das catacumbas, lugar onde costumam estar enclausuradas as publicações antissistêmicas. É claro que o sistema não gostou dessa história, então os seus periódicos de esquerda (Le Monde, Le Nouvel Observateur, Le Canard Enchaîné…) lançaram feroz campanha de demonização em 1979. Por conseguinte, vieram as habituais calúnias sobre racismo, fascismo, xenofobia e quejandas denúncias. Depois, foi a vez das “sanções” financeiras, com as grandes empresas do Sistema ameaçando cancelar as verbas de publicidade consignadas a Le Figaro. Diante disso, a direção do periódico viu-se obrigada a descontinuar a linha crítica, e a Nouvelle Droite perdeu os meios capazes de dar maior repercussão às suas mensagens na sociedade.

O pensamento da Nova Direita

Se uma só palavra pudesse resumir o pensamento da Nova Direita, seria a palavra “Identidade”. Não qualquer identidade, mas sim a identidade coletiva, comunitária, orgânica. A identidade afirmante de que só arraigados no justo, no belo e no verdadeiro os homens podem existir; apenas com base no que decantou a História e a Tradição pode o sentido desenvolver-se plenamente em todo o mundo.

Isso é exatamente o contrário do que preconiza a modernidade e, sobretudo, a pós-modernidade.  Essa é a antítese do que pretende o individualismo atomista que tão bem expressavam aqueles moços do Maio de 68. Depois de terem proclamado que “é perigoso ser herdeiro”, decretaram “o estado de felicidade permanente” a fim de poder “gozar aqui e agora”, convencidos como estavam de que só “meus desejos são a realidade”, pois “Deus sou eu” e “o Estado é cada um de nós mesmos” e assim por diante.

Preparavam-se aí os atuais delírios do vigilismo (wokismo), todo esse sem-sentido de dizer que a Natureza não é nada, como também a Tradição, pois cada um é o que deseja ser: uma mulher nascida homem, um homem nascido mulher. Nada há fora do desejo (mas, se houver, será coercitivo, repressivo: destruamo-lo!). Tudo é líquido, tudo flui, nada se impõe, tudo é insubstancial.

Foi então que começaram os nossos males? Não. A partir daí eles se exacerbaram, mas sua origem vem de muito mais longe. A pós-modernidade leva ao extremo tanto o atomismo individualista quanto a perda de substância de um mundo que, desde há um par de séculos ― com o triunfo do pensamento ilustrado ― começou a ignorar tudo quanto tivesse o cheiro de alguma coisa firme, substancial, sagrada.

Condensada em sua essência, essa é a impugnação que a Nova Direita lança contra o espírito que marca os nossos tempos. Esta é uma impugnação de fundo, de raiz, não apenas deste ou daquele aspecto ou questão. Ela alcança, igualmente, outras questões intimamente ligadas às anteriores. Como a impugnação do capitalismo, que é colocado na picota, não pelas ânsias igualitárias próprias do socialismo, mas pela desmesurada cobiça que domina todos ― os trabalhadores, as classes médias e os próprios capitalistas ― submetendo-os ao império da produção, da mercadoria e do consumo.

E, na picota com o capitalismo, está o liberalismo, seus dois grandes componentes, o individualismo atomista, que acabamos de ver, e o igualitarismo. Este é um chamariz, uma forma aparentemente interessante de tratar os desiguais como iguais que escamoteia as profundas desigualdades entre os homens, cujos conflitos só se aplacam graças à riqueza gerada pelos enormes progressos da Técnica.

Mudar o mundo

Do que acima vai dito decorre consequência óbvia. O que a Nova Direita faz não é impugnar tais ou quais políticas, criticar este ou aquele governo, um ou outro partido. Críticas devem ser feitas, claro. E já se fazem, de forma até demolidora. Porém, a crítica da Nova Direita tem outro objetivo.

A vitória em algumas eleições, a mudança de governo, o triunfo, por exemplo, do Vox na Espanha ou do Rassemblement National na França ou do Fratelli d’Italia ou de Orban na Hungria, isso tudo marca avanços importantes, indispensáveis. Ocorre que o essencial não está aí.

O que está em questão não é mudar o governo X ou Y. Trata-se, antes, de mudar o mundo.

E mudá-lo significa transformar a visão do mundo que rege nossa existência, modificar o imaginário, a sensibilidade, os sentimentos e valores que articulam nossa concepção do mundo, nossa escala do bom, do justo e do belo. Na escala sendo usada hoje, nada é sagrado, só importa o econômico, nela o belo vai sendo substituído pelo feio ― haja vista o caso da “arte” contemporânea ou de tantos de nossos edifícios.

Isso implica, obviamente, uma transformação revolucionária. Ao mesmo tempo, porém, essa mudança radical é, paradoxalmente, uma mudança conservadora. Diferentemente do que se passou nas grandes revoluções como a francesa ou a bolchevique, não se pretende aqui abrir páginas em branco na História para escrevê-las com sangue, rios de sangue. A nossa “revolução conservadora” ― perdoem o oxímoro ― quer, ao contrário disso, arraigar-se na História, conservar o que nela se depositou, manter vivo o essencial de nossa tradição e civilização.

Então, como se trata de mudar mentalidades, nestas estará o foco de sua ação. Por isso a Nova Direita não disputa eleição e não desenvolve as suas atividades no âmbito da política propriamente dita.

A sua atuação tem lugar no campo a que se dá, por tal razão, o nome de “Metapolítica”.

Basta ler as publicações da Nova Direita (Éléments, Krisis ou Nouvelle École na França; El Manifiesto na Espanha), basta ver los programas da TV-Libertés, ler os livros de Éditions de La Nouvelle Librairie, ou considerar os temas abordados no Colóquio que, com assistência massiva, o Institut Iliade organiza a cada ano. Quem o fizer não encontrará nada parecido com proclamações, panfletos, programas eleitorais, discursos de propaganda. Deparar-se-lhe-ão, em vez disso, reflexões filosóficas, políticas ou artísticas, bem assim análises sobre o que está em jogo em questões candentes como a guerra da Otan contra a Rússia, a “Grande Substituição” (a grande invasão migratória na Europa), as aberrações da “arte” contemporânea, os delírios vigilistas ou as violações que perpetra a ditadura do politicamente correto contra a liberdade de expressão.

A Nova Direita abraça a liberdade de expressão com toda a sua alma, essa mesma Nova Direita que os adversários chamam de retrógrada e fascista. Uma das formas como defende a liberdade de expressão consiste em abrir as suas publicações a intelectuais de grande prestígio, mas não pertencentes à sua família de pensamento. Citamos, por exemplo, Silvain Tessson, Alain Finkielkraut, Éric Zemmour, Michel Onfray e Marcel Gauchet, entre outros.

A Nova Direita é realmente de direita?

Há duas direitas: a liberal e a conservadora, mas a nenhuma dessas pertence a Nova Direita.

As diferenças entre ambas são hoje mínimas; mas não era assim em outros tempos, quando o liberalismo (veja-se o exemplo de nossas guerras carlistas) opunha-se frontalmente ao conservadorismo daqueles que, na reação contra ele, receberam o nome de “reacionários”.

Com nenhuma de ambas as direitas se identifica aquela que, por isso mesmo, é chamada de “nova”. Já ficou suficientemente clara sua oposição à direita liberal. Quanto à conservadora, a Nova Direita comparte, sim, algo de seu espírito, na suposição ― cada vez menos provável ― de que os atuais conservadores seguem conservando certo apego a coisas como tradição, hierarquia e autoridade (que não se deve confundir com arbitrariedade).

Duas coisas, entretanto, não permitem assimilar a Nova Direita ao espírito conservador ou reacionário. Em primeiro lugar, o seu questionamento muito revolucionário da atual ordem do mundo. A tal ponto chega a sua crítica, que alguns são levados a perguntar se não seria legítimo assimilar sua denúncia dos desmandos capitalistas à denúncia que faz a própria esquerda revolucionária. Não. Semelhante assimilação seria ilegítima, pois equivaleria a ignorar que ambos os questionamentos partem de perspectivas diversas e contrárias, assim como são os seus objetivos.

Em segundo lugar, a consideração de que o fundamento do mundo está no transmundo de um Além sobrenatural, e isto nenhum espírito reacionário que se tenha por sério e verdadeiro poderia ignorar. Para o autêntico pensamento conservador, Deus não está morto nem pode morrer.

E para a Nova Direita?

A Nova Direita e o divino

Ai! por que tardas? e aqueles, filhos dos deuses, / Vivem ainda, ó dia! como nas profundas da terra, / Solitários, lá baixo, enquanto aqui uma primavera eterna / Passa como sonho, sem que ninguém a cante, sobre as cabeças dormentes? (HÖLDERLIN ― O arquipélago)

Voltamos a deparar aqui uma dessas dualidades, um desses “abraços de contrários” (como o da “revolução” que é, ao mesmo tempo, “conservação”) que, longe de nos lançar na obscuridade, abre para nós as portas do sentido e da significação.

Para a Nova Direita — profundamente moderna, como é na realidade ― o mundo deixa de ter seu fundamento em qualquer transmundo sobrenatural. Também para ela, “Deus está morto”. Ao mesmo tempo, porém ― profundamente antimoderna, como também é ― a Nova Direita considera indispensável que “o divino” retome o seu lugar no mundo. Se não fosse assim estaríamos incorrendo na condenação de que nos advertiu Heidegger ao dizer que “só um deus pode nos salvar”. [4]

Porém, que deus? Que alento sagrado? Que ordem divina?

A resposta parece evidente. Esta ordem divina é a do cultus deorum de nossas origens gregas e romanas. Os deuses que o cristianismo derrotou “continuam vivendo ― dizia Hölderlin ― nas profundas da terra”. Entretanto, “ninguém os canta”, aditava. Cantar nossos antigos deuses, reivindicar essas divindades que na essência, dizia Dominique Venner, são «com frequência, transposições das forças da natureza e da vida”, é o que faz a Nova Direita ao reivindicar uma transcendência que, ao mesmo tempo, é imanência, ou seja, assunto deste mundo, do único mundo existente, não de nenhum Além ― e esta é a sua divergência fundamental com o cristianismo.[5]

Como é possível ― perguntará o leitor surpreso ― que um pensamento tão elaborado como esse possa acreditar em Zeus, Apolo, Afrodite, Poseidão, Atena e todos os demais? Nosso leitor equivoca-se. Não se trata de “acreditar”, trata-se de significar, de simbolizar. “Para se pagão ― escreve Alain de Benoist — não é preciso ‘acreditar’ em Júpiter ou Odin (o que não é, não obstante, mais ridículo do que acreditar em Javé)”. Em outras palavras, não é a existência real, efetiva dos deuses o que proclama a Nova Direita. Ninguém acha que Zeus, agitando seu feixe de raios, lance-os sobre a terra; que Afrodite tenha surgido como espuma das águas de Chipre; ou que um furioso Poseidão rompa a terra com o seu tridente e provoque terremotos, afundamentos e naufrágios. Isso tudo são mitos. Todo o paganismo vive infundido no mítico. Ocorre que um mito ― como os mitos cristãos, inclusive ― é coisa tremendamente séria. Fundamental, mesmo.

Que os deuses existam algures fora do espírito humano, no alto do monte Olimpo ou noutro lugar qualquer, é tão pouco credível como a existência do Deus da Bíblia no alto dos seus céus.

E, não obstante, os deuses da Grécia, de Roma e de outros povos europeus são afirmados, reivindicados como um culto ― nisso consistia o paganismo: num culto ― pelo qual a Nova Direita expressa vivas simpatias. Como é que pode?

Como é possível ser pagão, perguntava Alain de Benoist num famoso livro tendo esse pergunta por título. Se isso é possível, é porque uma coisa é a crença em Deus ou em deuses; e, outra, o sentimento, a aura do sagrado na sociedade que o celebra e lhe rende culto. Só se pode ser pagão; ou, mais amplamente, só pode renascer hoje o valor do sagrado ― da religião que for ― no caso de verificada uma ou outra de duas condições: que os mitos sejam reconhecidos como mitos ou que a existência ― mítica ou real ― do divino fique a flutuar, impronunciada, nas águas do indeterminado.

O não crente ou o crente, tomando os mitos como mitos ou como a realidade mais real de todo o real, o que não se pode fazer ― se quisermos “nos salvar”, diria Heidegger ― é o que faz o nosso tempo: encurralar “o divino”, excluir o “sagrado”, apagar essa luz que, entre esplendores e sombras, significa e faz vibrar todo o insondável, todo o esplendoroso mistério de  nossa existência de homens destinados à vida. O mesmo é dizer que estão destinados à morte.

Sim, eu sei, é difícil, complexo enfocar as coisas nesses termos. Talvez seja até impossível, dada a inércia e o peso do social.[6] Em todo caso, a questão é tão complexa e apaixonante como, por exemplo, a que coloca Miguel Ángel Quintana Paz quando, distinguindo entre o Cristianismo e a Cristandade, reivindica o renascer desta última, ou seja, o ressurgimento de princípios sagrados ― “intangíveis”, “substanciais”, dizíamos antes ― que presidam o mundo, sendo por outra parte indiferente a que se creia (ou não) no corpo de dogmas da Igreja, na verdade efetiva dos relatos bíblicos e na intervenção divina nos assuntos de homens absolvidos ou condenados, premiados ou castigados por toda a eternidade.

NOTAS:

[1] Na Espanha, a Nova Direita esteve representada nos anos oitentas e noventas pelas revistas Punto y Coma e Hespérides, dirigidas respectivamente por Isidro Palacios e José Javier Esparza. Desde 2004, a publicação que mais amplamente expressa o espírito da Nova Direita é El Manifiesto. Dirigida por este que vos escreve, é desde 2007 um periódico digital de publicação diária.

[2] No dia 21 de maio de 2023, transcorreu o décimo aniversário da imolação de Dominique Venner na Catedral de Notre Dame de Paris. Não foi um suicídio qualquer. “Dou-me a morte ― deixou escrito ― a fim de despertar as consciências adormecidas. […] Sublevo-me contra os venenos da alma e os desejos individuais que destroem as nossas âncoras identitárias.”

[3] “Grecia”, em francês. Acrônimo de “Groupement de recherche et d’études pour la civilisation européenne” (Grupo de Pesquisa e Estudos para a Civilização Europeia).

[4] Heidegger e Nietzsche (nesta ordem de importância) são os dois principais filósofos cuja influência, explicitamente reconhecida por Alain de Benoist, anima o conjunto da Nova Direita.

[5] Apesar das profundas divergências filosóficas que separam a Nova Direita do Cristianismo (o histórico, não aquele do Concílio Vaticano II), as relações entre ambos são profundamente amistosas. Isto é lógico, se se pensa que, no nosso dessacralizado mundo, ambos estão no mesmo lado da barricada e aí resistem a ataques semelhantes.

[6] Eu tratei de complexidades e dificuldades, além de muitos outros pontos que não cabia abordar em El abismo democrático (Ediciones Insólitas, Madrid, 2019). Considerando outro aspecto desse ensaio, a versão francesa foi intitulada N’y a-t-il qu’un dieu pour nous sauver? [um deus pode nos salvar?] ― Éditions de la Nouvelle Librairie, Paris, 2021.

 

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Fonte: La Gaceta de la Iberosfera | Autor: Javier Ruiz Portella | Data de publicação: 28 de maio de 2023 | Título original: ¿La Nueva Derecha? ¿Y esto qué es? | Versão brasilesa: Chauke Stephan Filho.

 

Alain de Benoist: “Lutamos por uma revolução como nunca vimos.”

Em uma entrevista publicada originalmente em “La Gazeta” (seção Ideias), o diretor de El Manifiesto, Javier Ruiz Portella, conversa longa e detidamente com Alain de Benoist, aos 80 anos de seu nascimento e aos 50 anos do lançamento da Nova Direita.

1.

JAVIER RUIZ PORTELLA: Cinquenta anos atrás, Vossa Senhoria colocava em marcha, junto com um grupo de camaradas e amigos, o que mais tarde ficaria conhecido como a Nova Direita. Uma tarefa colossal! Porque não se tratava apenas de defender ou atacar tais ou quais ideias, reivindicações, conflitos… antes, se tratava ― e se trata ― de transformar toda a nossa visão de mundo; ou seja, a configuração de ideias, sentimentos, desejos … envolvendo os homens de hoje, que assim vivemos e morremos.

E como buscamos algo novo, diferente, está claro que o devemos buscar longe dos dois grandes pilares (já meio derrubados…) que chamamos de “direita” e “esquerda”. Assim, Vossenhoria não acredita que os novos pilares destinados a sustentar o Verdadeiro, o Belo e o Bem (que hoje nada sustenta) estejam mais perto do espírito da direita ― desde que não liberal, não teocrática e tampouco plutocrática ― do que de uma esquerda que, no melhor dos casos, sempre será individualista, igualitarista e materialista?

ALAIN DE BENOIST: Desconfio das palavras com iniciais maiúsculas. Eu conheço coisas belas e coisas feias, coisas boas e coisas más, mas nunca topei com o Belo e com o Bem em si. O mesmo ocorre com a esquerda e a direita. “A direita” e “a esquerda” nunca existiram. Sempre houve direitas e esquerdas (no plural), e a questão de se possamos encontrar um denominador comum para todas essas direitas e todas essas esquerdas segue sendo objeto de debate. Vossoria mesmo admite isso quando fala de uma direita “não liberal, não teocrática e tampouco plutocrática”: é a prova de que junto à direita que Vossoria aprecia há outras. Porém, quando Vossoria fala da esquerda, volta imediatamente para o singular! É um erro. Grandes pensadores socialistas como Georges Sorel e Pierre-Joseph Proudhon não eram nem individualistas, nem igualitaristas, nem materialistas. Tampouco cabe atribuir esses qualificativos a George Orwell, Christopher Lasch ou Jean-Claude Michéa. Tampouco devemos confundir a esquerda socialista, que defendeu os trabalhadores, com a esquerda progressista, que defende os direitos humanos (não é o mesmo). Só se pode dizer que o igualitarismo, para dar um exemplo, foi historicamente mais comum “na esquerda” do que “na direita”. Porém, falando isso, não dizemos grande coisa, quando menos porque também há formas de desigualdade na “direita”, sobretudo na direita liberal, que me parecem totalmente inaceitáveis. Por isso, acredito que devamos julgar caso por caso, em lugar de utilizar etiquetas, que sempre são equívocas. Como eu já disse muitas vezes, as etiquetas servem mais para os potes de geleia! Não cedamos ao fetichismo das palavras.

Creio que nós dois prezamos os tipos humanos portadores de valores com os quais nos identificamos. Esses tipos humanos são mais comuns na “direita” do que na “esquerda”, isso eu atesto sem vacilar. Nesse sentido, sinto-me completamente “de direita”, mas não faço disso um absoluto. Uma coisa são os valores, e outra, as ideias. Eis por que não tenho nenhum problema em me sentir “de direita” de um ponto de vista psicológico e antropológico, reconhecendo, ao mesmo tempo, a validade de certas ideias que geralmente são atribuídas, com ou sem razão, à “esquerda”.

2.

JAVIER RUIZ PORTELLA: O que Vossia sente depois de cinquenta anos transbordantes de reflexões, combates, vitórias… ou alguma pequena derrota, talvez? Suponho que sua alegria terá sido grande ao constatar que o espírito da Nova Direita, ainda longe de conformar agora “o horizonte espiritual de nossa época” (como dizia Sartre sobre o marxismo), chegou, no entanto, a marcar o campo de ação intelectual da França; sem falar de sua presença, embora menos vigorosa, em países como Itália, Alemanha, Hungria, a própria Espanha…

ALAIN DE BENOIST: É a eterna história do vaso meio cheio ou meio vazio. Sim, de fato, em cinquenta anos, houve muitos êxitos. A Nova Direita não só não desapareceu (meio século de existência para uma escola de pensamento já é extraordinário), como ainda os temas que introduziu no debate ganharam ampla repercussão na maioria dos países europeus. Disso dão prova os milhares de artigos, livros, conferências, colóquios, traduções e encontros que marcaram os últimos cinquenta anos. Isto posto, também devemos ser realistas: os pontos referidos não impediram o avanço das forças do caos. O “horizonte espiritual de nosso tempo” não tem nada de  espiritual, absolutamente: é o horizonte de um ocaso, ocaso que se acelera cada dia mais. Declarar, como desejável, que “o niilismo não passará por mim” não muda coisa nenhuma. Como dizia Jean Mabire, não transformamos o mundo, mas o mundo não nos transformou. E não nos esqueçamos de que o momento da “luta final” ainda não chegou.

3.

JAVIER RUIZ PORTELLA: Entre os diversos fenômenos verificados no mundo hoje, quais Vossia considera que portam a esperança e quais outros trariam a desesperança? Tudo está, obviamente, entrelaçado, mas nesse emaranhado de fenômenos sociais, culturais, políticos… onde estaria o nosso principal inimigo e onde estaria o nosso maior amigo?

ALAIN DE BENOIST: A segunda pergunta é, obviamente, mais fácil de responder do que a primeira, porque a resposta está diante de nós. Há três grandes perigos que nos ameaçam hoje. Em primeiro lugar, os estragos da tecnologia e o condicionamento decorrente na era da inteligência artificial e da omnipresença dos computadores, que com o tempo conduzirão à Grande Substituição do homem pela máquina. E só estamos no começo disso tudo: o transumanismo já preconiza a fusão do vivo com a máquina. Em segundo lugar, a mercantilização do mundo, um dos pilares da ideologia dominante, com a adesão das mentes à lógica de benefício e à axiomática do interesse, ou seja, a colonização do imaginário simbólico pelo utilitarismo e a crença de que a economia seja o destino, de acordo com uma antropologia liberal baseada no economicismo e no individualismo, que só vê o homem como um ser egoísta buscando sempre satisfazer os próprios interesses. O principal motor disso é, obviamente, o sistema capitalista, que pretende acabar com tudo capaz de obstar a expansão do mercado (soberania nacional e soberania popular, objeções morais, identidades coletivas e particularidades culturais) e desacreditar todos los valores que não sejam os do mercado. Em terceiro lugar, o reinado quase mundial de uma ideologia dominante baseada na ideologia do progresso e na ideologia dos direitos humanos, que está semeando o caos num mundo cada vez mais voltado ao niilismo: a redução da política à gestão tecnocrática, a moda da “cultura do cancelamento”, com os delírios da ideologia de gênero propagada pelo lóbi legebético, o neofeminismo preconizando a guerra entre os sexos, o decaimento da cultura geral, as patologias sociais causadas pela imigração massiva e descontrolada, o declínio da escola, a desaparição programada da diversidade dos povos, línguas e culturas… e tantas outras coisas.

Para mim, o principal inimigo segue sendo, mais do que nunca, o universalismo no plano da filosofia, o liberalismo no plano da política, o capitalismo no plano da economia e, no plano da geopolítica, o mundo anglo-saxão.

Fenômenos “portadores de esperança”? Este é tema que devemos abordar com prudência. Para mais de a história estar sempre aberta (é, por excelência, o domínio do imprevisto, como dizia Dominique Venner), está claro que vivemos um período de transição e de crise generalizada. A ideologia dominante é, efetivamente, dominante (sobretudo porque é sempre a ideologia da classe dominante), mas ela está em processo de desintegração por toda parte. A democracia liberal, parlamentar e representativa está cada vez mais desacreditada. O auge do populismo, a emergência de democracias iliberais e dos “Estados-civilização”, os intentos de democracia participativa e de renovação cívica na base, isso tudo tem lugar quando se alarga cada vez mais o hiato entre o povo e as elites. A classe política tradicional está desacreditada. Todas as categorias profissionais se mobilizam e a raiva aumenta em todo lugar, o que abre a perspectiva de revoltas sociais em grande escala (o clássico momento em que “os de cima já não podem mais e os de baixo já não querem mais”). Ao mesmo tempo, as coisas estão mudando no plano internacional. As cartas são embaralhadas de novo entre as potências. Os próprios Estados Unidos estão em profunda crise, parece que nos encaminhamos para o fim do mundo unipolar ou bipolar e o começo de um mundo multipolar, o que acho muito positivo. Surge nova clivagem entre os BRICS (as potências emergentes) e o “Ocidente coletivo”. Numa tal situação, portas são abertas para muitas oportunidades. No entanto, o seu aproveitamento exige que abandonemos as ferramentas analíticas obsoletas e prestemos muita atenção naquilo que assoma no horizonte da história.

4.

JAVIER RUIZ PORTELLA: O que Vossia acha da bomba-relógio de contador sonoro das duas hecatombes demográficas? Aquela da aparente decisão tomada pelos europeus de, simplesmente, não mais procriar; e aqueloutra da imigração tão massiva que mais parece uma invasão, e invasão fomentada pelas próprias “elites” dos países invadidos. Ocorre-lhe alguma ideia que pareça a solução disso ou, pelo menos, algo que pudesse amortecer o efeito devastador da explosão dessa bomba?

Vossia já declarou que não lhe parece factível a remigração compulsória, que alguns propõem. Provavelmente Vossia tenha razão, haja vista o bom-mocismo piegas que impregna tudo. Então, se a remigração não é exequível, que outra opção nos resta?

ALAIN DE BENOIST: A imigração é um desastre, porque ela provoca uma mudança na identidade e na composição dos povos ao atingir certo limiar. Não podemos remediar isso numa espécie de corrida para aumentar a natalidade, que está condenada ao fracasso. Também não acredito na remigração (como tampouco na assimilação e no “laicismo”), porque, simplesmente, não é possível nas condições atuais. Como o Reconquête [“Reconquista”, partido de Éric Zemmour], ísso é só um mito de refúgio. A política é, antes de tudo, a arte do possível. No entanto, evidentemente, não se trata de nos rendermos. Quando existe vontade política (o que dificilmente ocorre hoje), podemos, sim, vencer a imigração, freando-a drasticamente, quando menos pela supressão das disposições sociais e societais que atraem imigrantes como “bombas de sucção”. Os remédios são conhecidos há muito tempo. Ocorre que, mesmo sendo um fator decisivo, a vontade política não é o único. Também é preciso haver a possibilidade de exercê-la. Ora, todas as medidas sérias destinadas a frenar a imigração estão sendo bloqueadas na atualidade pelo governo dos juízes, que carece de legitimidade democrática, mas pretende se impor tanto aos governos dos Estados quanto à vontade dos povos. Digamo-lo mais claramente: nenhum governo dará o basta à imigração se não se decidir por considerar nulas e sem efeito as decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. E se não se afastar da ideologia liberal.

A imigração é, na verdade, a colocação em prática do princípio liberal do “laissez faire, laissez passer” [“deixar fazer, deixar passar”], que se aplica indistintamente a pessoas, capitais, serviços e bens. O liberalismo é uma ideologia que considera a sociedade exclusivamente pelo indivíduo e não reconhece que as culturas têm a sua própria personalidade. Ao ver na imigração a chegada de um número adicional de indivíduos a sociedades já compostas de indivíduos, considera os homens como elementos intercambiáveis entre si. O capitalismo, por sua vez, desde há muito tempo busca a abolição das fronteiras. Nele, o recurso à imigração é fenômeno econômico natural. Em todas as partes, são as grandes empresas as que exigem cada vez mais imigrantes, especialmente para forçar a redução dos salários dos trabalhadores nativos. Nesse sentido, Karl Marx pôde dizer com razão que os imigrantes são “o exército de reserva do capital”. Assim, aqueles que criticam a imigração e veneram o capitalismo fariam melhor se fechassem o bico. De nada serve condenar as consequências sem atacar as causas.

5.

JAVIER RUIZ PORTELLA: Como Vossia já disse certa vez, a atual situação de nossas sociedades é a da tensão de uma típica dualidade pré-revolucionária que Vossia mesmo referiu numa de suas respostas: o velho mundo morre, mas o novo ainda não nasceu. Vislumbram-se, decerto, muitos traços do que pode constituir a nova ordem do mundo. Aí está todo o mal-estar, as mobilizações, a lutas, os avanços… destes nossos dias, embora insuficientes para mudar as coisas. Não lhe parece que uma das razões dessa dificuldade é que esse mal-estar afeta, basicamente, as camadas populares (e um núcleo de intelectuais), enquanto nenhum mal-estar perturba as “elites” indignas de tal nome, que reúne desde a esquerda festiva até os radicais chiques, passando pela esquerda-caviar?

Em outras palavras, Vossia acredita que seja possível mudar o mundo contando apenas com os de baixo e sem que uma parte significativa dos de cima sinta as mesmas ânsias de transformação? O “mudar de lado” não é o que sempre ocorreu em todas as grandes mudanças, em todas as grandes revoluções da história?

ALAIN DE BENOIST: Comecemos por recordar que, como demonstrou [Vilfredo] Pareto, a palavra “elite” é uma palavra neutra: também existe uma elite de traficantes e ladrões. As “elites” de nossas sociedades, seja políticas, seja econômicas, seja mediáticas, estão formadas por homens (e mulheres) geralmente bem formados e inteligentes (embora nem sempre) que acumularam, não obstante, uma série de fracassos em todos os campos. São pessoas isoladas do povo, vivem sem maior ligação com o próprio país, num universo mental transnacional e nômade. Também estão alheias ao real. Não vejo nenhuma utilidade em que se unam à “grande transformação” de que Vossia fala, e menos ainda em aceitar compromissos para intentar seduzi-las. Por outra parte, está claro, não obstante, que as classes trabalhadoras, que agora se levantam contra essas “elites”, necessitam de aliados. E terão cada vez mais aliados por causa do empobrecimento das classes médias. Dessa aliança entre as classes trabalhadoras e os empobrecidos das classes médias pode surgir o bloco histórico que termine por se impor. Se isto ocorrer, veremos então os oportunistas de cima solidarizando-se com os rebeldes de baixo; algo que já se viu em todas as grandes revoluções da história. E, como sempre, é do povo que surgirão as novas e autênticas elites de que precisamos.

6.

JAVIER RUIZ PORTELLA: Dado o seu conhecido questionamento do capitalismo, alguns chegaram a dizer que a Nova Direita deviera uma espécie de Nova Esquerda… Deixando de lado esse tipo de gozação, a verdadeira questão é a seguinte: o que devemos fazer com o capitalismo? Acabar com ele, Vossia dirá. Mas, então, colocar o que no lugar dele? Seria o caso de substituir o capitalismo pela propriedade estatal dos meios de produção? Deveria ser abolido o mercado e a propriedade, como os comunistas fizeram em todas as partes? Não, Vossia dirá, sem dúvida. Mas, então, se o programa for o de abolir as clamorosas injustiças do capitalismo, salvaguardando o mercado, o dinheiro e a propriedade ― embora colocados fora do altar em que se encontram hoje ― isto não seria ― e eu me refiro só ao âmbito econômico ― um simples reformismo?

ALAIN DE BENOIST: “Para os nossos contemporâneos, é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo”, dizia o teórico britânico Mark Fisher em 2009. Nessa situação, muitos fazem a sua pergunta: como sair do capitalismo e o que poderia substituí-lo? Ao fazê-lo, e sem nos darmos conta, estamos naturalizando abusivamente um fenômeno histórico perfeitamente localizado. A humanidade viveu sem o capitalismo durante milhares de anos: por que amanhã não poderia passar sem ele outra vez? O capitalismo não é toda a economia, nem sequer todas as formas de intercâmbio. O capitalismo é o reino do capital. Surge quando o dinheiro devém capaz de se transformar em capital que se incrementa perpetuamente por si mesmo. O capitalismo é também a transformação das relações sociais conforme as exigências do mercado, a primazia do valor de troca sobre o valor de uso. a transformação do trabalho vivo em trabalho morto, a suplantação do ofício pelo emprego etc. Um sistema assim só pode funcionar sob a condição de  se expandir constantemente (ele cai quando parado, que nem uma bicicleta), daí o ilimitado ser o seu princípio. Sua lei é a híbris, a desmedida, a fuga para a frente na corrida desenfrenada para o “cada vez mais e mais”: cada vez mais mercados, mais lucro, mais livre comércio, mais crescimento e cada vez menos limites e fronteiras. A aplicação desse princípio levou à obsessão do progresso técnico, à financeirização crescente de um sistema que há muito tempo perdeu todas as suas raízes nacionais, conduzindo, ao mesmo tempo, à devastação da Terra.

A oposição de princípio entre o público e o privado é uma ideia liberal em si mesma. Portanto, sair do capitalismo não significa, absolutamente, substituir a iniciativa privada pela propriedade estatal dos meios de produção, que não resolve nada (a antiga URSS era um capitalismo de Estado). Tampouco significa suprimir toda forma de mercado, significa, isto sim, sobrepor o local ao global, a rota curta ao comércio de longa distância. E, obviamente, tampouco significa abolir a propriedade privada, não devendo esta, por outro lado, se converter num princípio absoluto, como querem os liberais. O terceiro setor já é uma realidade, como as cooperativas e as empresas mutualistas. Para além da falsa oposição entre o privado e o estatal, estão os bens comuns, tais como eram entendidos antes do nascimento da ideologia liberal. Nesta redefinição dos bens comuns é que nos devemos concentrar para pôr em marcha uma economia de proximidade em favor, prioritariamente, dos membros desta ou daquela comunidade. Isso não tem nada de reformismo, pois exige a transformação radical das mentalidades.

Consabidamente, o capitalismo está em crise hoje. Os mercados financeiros pensam e agem no imediatismo do dia-adia, os défices alcançam níveis recordes, o “numerário fictício” flui como água, e o mundo todo está preocupado com um possível colapso do sistema financeiro mundial. A perspectiva não é necessariamente agradável, já que tais crises costumam acabar em guerra.

7.

JAVIER RUIZ PORTELLA: Permita-me voltar à pergunta anterior. Se um revolucionário sectário e radical dissesse que esse enfoque, no tocante à economia, não deixa de ser reformista, não se lhe deveria responder fazendo-o ver que nada de reformista tem, em qualquer caso, tudo o mais? Tudo o mais: toda essa visão do mundo que coloca o dinheiro no centro da vida pública e privada, que então ressumam toda a gosma da democracia liberal e partitocrática, individualista e igualitarista que conhecemos?

Tratar-se-ia, talvez, de reformar, de emendar esse estado de coisas, incluído seu democratismo niilista? Ou a proposta é completamente diferente? Em uma palavra, por que lutamos? Lutamos por reformas ou por revolução?

ALAIN DE BENOIST: É claro que não lutamos por reformas. Pretendemos o que Heidegger chamava de “novo começo”. Isto não significa repetir o que os outros fizeram antes de nós, mas de tomarmos o seu exemplo como inspiração para inovarmos por nossa vez. Substituir a desmedida capitalista pelo sentido dos limites, lutar contra o universalismo em nome das identidades coletivas, substituir a moral do pecado pela ética da honra, reorganizar o mundo de forma multipolar (“pluriversalismo” em vez de universalismo), priorizar os valores de comunidade   sobre os da sociedade, lutar contra a substituição do autêntico pelo sucedâneo e do real pelo virtual, redefinir o direito como equidade em las relações (e não como um atributo de que todo o mundo seria proprietário ao nascer), restabelecer a primazia do político (o governo dos homens) sobre o econômico (a gestão das coisas), devolver um sentido concreto à beleza e à dignidade, reabilitar a autoridade e a verticalidade…: isto é o que seria uma revolução. E até uma revolução ― ousamos dizê-lo ― como nunca vimos.

Fonte: La Gaceta | Autores: Javier Ruiz Portella (entrevistador) e Alain de Benoist (entrevistado) | Título original: Alain de Benoist: “Luchamos por una revolución como nunca hemos visto.” | Data de publicação: 23 de março de 2024 | Versão brasilesa: Chauke Stephan Filho.

 

Putin segundo ele mesmo

Putin, “comunista”?
Parem com isso, por favor!
E leiam os discursos dele!

Fonte: El Manifiesto. Autor: Sertório. Título original: Putin, el verbo y la idea. Data de publicação: 6 de maio de 2023. Versão brasilesa: Chauke Stephan Filho.

A editora Ediciones Fides acaba de publicar Putin: escritos y discursos, uma interessante seleção dos textos mais importantes do presidente russo, com datação de fevereiro de 2000 até dezembro de 2022, ou seja, praticamente todo o período de governo do dirigente do Kremlin. O livro traz como introdução estudo de Juan António Aguilar — um dos nossos melhores especialistas em Rússia e fundador do Instituto Espanhol de Geopolítica — que merece ser lido, sobretudo pelo profundo conhecimento do autor sobre a política russa, país que visitou muitas vezes e com o qual mantém intenso contato. Nas suas páginas está retratado o Putin real, bastante diferente da imagem do homem canceroso, doido e fanático como o pintam os midiadores do estabilismo ocidental para o próprio deleite.

Não obstante, é diretamente do que fala e faz o presidente russo que podemos extrair as mais significativas conclusões sobre a sua personalidade e a sua política. Em fevereiro de 2000, logo depois de sua ascensão ao poder, escreveu uma Carta aberta aos seus eleitores que era uma antecipação da sua forma de atuar: “Continuar na evasiva é muito mais perigoso do que aceitar o desafio”. A Carta continha uma mensagem muitas vezes reiterada durante as últimas duas décadas, dizendo que só um Estado forte podia livrar a Rússia do desmantelamento a que está submetida pelos experimentos liberais de Yeltsin e seus oligarcas. Daí o seu apelo à cidadania:

“Provavelmente, cada um de vocês tenha a sua própria ideia quanto ao que possa estar na raiz dos nossos reveses e erros de cálculo. Porém, já é hora de os cidadãos da Rússia entrarmos em acordo sobre o que esperar do Estado e como apoiá-lo. Agora estou falando de nossas prioridades nacionais. Sem isto, voltaremos a perder tempo em vão, e os demagogos irresponsáveis decidirão nosso destino”.

A restauração do Estado russo e a defesa de seus interesses contra as imposições externas é o norte da política de Putin. Também marca o terreno ante a intromissão do Ocidente na área de influência de Moscou:

“A Rússia já não é o mapa truncado da União Soviética […]. Um grande país aprecia sua liberdade e respeita a dos demais. Não é razoável ter medo de uma Rússia forte, mas o inimigo que nos provoca deve saber que brinca com fogo”.

A respeito das relações da Rússia com a União mal denominada “Europeia”, triste é ler este texto de 2006:

“A Rússia, tanto em seu espírito quanto nas suas tradições históricas, é parte da ‘família europeia’. Não buscamos ingressar na União Europeia. Não obstante, considerando a questão de uma perspectiva de mais longo prazo, não vejo áreas adversas a uma associação estratégica equitativa, a uma associação baseada em aspirações e valores comuns”.

Naquela altura, Putin ainda acreditava numa confluência de interesses mutuamente benéfica entre a Rússia e a União mal denominada “Europeia”. Tratar-se-ia de um pacto entre iguais que livraria a Rússia de condição subalterna na relação com os prepotentes anglo-saxões. Atualmente, daquela aproximação só restam as cinzas. E do sonho de um espaço eurasiático integrado do arquipélago dos Açores a Vladivostoque, o que se dirá, então?

Convertida no quintal do império ianque, Europa é agora só o nome de um defunto.

Em outro discurso, este de 30 de setembro de 2022, quando foi da admissão das repúblicas de Lugansque, Donétisque, Zaporíjia e Quérson na Federação Russa, Putin enfatizou que as elites dos Estados Unidos estavam empenhadas não só em abater a Rússia, mas também em “destruir os Estados nacionais”. Ele continuou: “Isto se aplica à Europa, isto ameaça a identidade da França, da Itália, da Espanha, isto é um ataque a outros países de longa tradição histórica”.

E, ainda nessa mesma mensagem, acrescentou:

Washington exige cada vez mais sanções contra a Rússia, e a maioria dos obedientes políticos europeus está de acordo com a agressão. Eles sabem, claramente, que os Estados Unidos, levando a UE a não comprar energia e outros recursos de fornecedores russos, causam a desindustrialização da Europa […]. As elites europeias têm plena consciência do que se passa, mas preferem servir a interesses inconfessáveis de estranhos. Mais do que subserviência, existe aí uma ação direta de traição contra os seus povos”.

A opinião de Putin sobre o Ocidente mudou radicalmente nos últimos anos, e não só por considerações de natureza estratégica.“Observamos com surpresa os processos tendo lugar em países que por séculos gozavam do autoconceito que os colocava na vanguarda do progresso. Evidentemente, entretanto, os transtornos socioculturais nos Estados Unidos e na Europa Ocidental não são assunto nosso, nós não nos imiscuímos nisso aí”. Apesar da ressalva, o presidente russo não deixou de manifestar o seu espanto diante da insistência com que os ocidentais se entregam à teoria e à prática insanas do “cancelamento agressivo de páginas inteiras de sua própria história, da ‘discriminação inversa’ das maiorias em favor da minorias e do abandono da compreensão tradicional da família e das diferenças tão evidentes entre o papai e a mamãe”.

De sua perspectiva histórica própria, Putin liga essa engenharia social do liberalismo europeu com a experiência do passado russo:

“Tudo isso já ocorreu na Rússia, já passamos por isso. Depois da Revolução de 1917, os bolcheviques, apoiando-se nos dogmas de Marx e Engels, também anunciaram que mudariam toda a vida, não só o político e o econômico, mas até a ideia da moral humana, os fundamentos da existência de uma sociedade sadia. A destruição dos valores seculares atingiu a fé, as relações entre as pessoas, culminando na completa rejeição da família — tal foi o que deu causa e coragem para o denuncismo ideológico entre entes queridos no âmago das famílias assim desagregadas — e tudo isso foi declarado um passo na direção do progresso e […] tinha muito apoio no mundo todo e estava na moda e, hoje, essa moda está de volta. Além disso, obviamente, os bolcheviques também deram mostra de intolerância absoluta ante qualquer opinião que não a deles”.

Lendo essas páginas, nas quais manifesta sua admiração por Alexandre II e Alexandre III, pelo [general Anton Ivanovich] Denikin, como também pelo [general Alexei Alexeievich] Brusílov, duvido que ninguém não possa sentir senão desprezo pela ridícula cantinela do Putin “comunista”. Basta citar a seguinte passagem da Mensagem de 21 de fevereiro de 2022, muito criticada pelos comunistas de verdade:

“Do ponto de vista do destino histórico da Rússia e de seus povos, os princípios leninistas de construção do Estado mostraram ser mais do que apenas um erro, foi coisa pior. Depois do colapso da URSS em 1991, isso ficou muito evidente”.

E, é claro, há material mais que de sobra na coletânea para o estudo das crises na Ucrânia e na Síria. Lendo os discursos e artigos de Putin, o leitor perceberá que os esforços por uma solução negociada com a Ucrânia só foram abandonados pouco antes de começar a Operação Militar Especial.

No discurso comemorativo dos 1.160 anos do Estado russo, Putin deixou muito clara a sua ideia de Rússia e da política necessária para ela:

“Por mais de mil anos a história tem ensinado para a Rússia que relaxar a sua soberania ou renunciar a seus interesses, ainda que por pouco tempo, coloca perigo mortal para ela. Quando isso aconteceu, mesmo que brevemente, a existência da Rússia foi ameaçada.

“Que ninguém espere que venhamos a repetir aqueles erros [dos anos noventas]. Não sucumbiremos ante nenhuma chantagem, não cederemos ante nenhuma intimidação, não deslealdaremos e não perderemos a nossa soberania. Ao contrário, fortalecendo-a, estaremos desenvolvendo o nosso país.

“A soberania é a garantia da liberdade para todos. Segundo as nossas tradições, ninguém estará livre se o seu povo, a sua Pátria, se a Rússia não for livre”.

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Davis Carlton: O racismo de Deus

O etnonacionalismo consiste num sistema de crenças que afirma a compreensão cristã tradicional das famílias, tribos e nações. O etnonacionalismo sustenta que as nações têm as suas raízes na comum herança genética pela qual se definem, e que os alicerces de uma nação descansam sobre a ancestralidade, a língua, a cultura, a religião e os costumes sociais compartidos.

Quais são os principais fatores responsáveis pela coesão de uma nação? A unidade nacional dependeria mais da comunidade dos genes ou da comunidade das ideias? Na verdade, a palavra “Etnonacionalismo” é redundante. Sabe-se que na língua inglesa a palavra “Nação” tem sido tradicionalmente definida pelo nascimento, não meramente pela geografia ou pelas fronteiras políticas. A palavra “Nação” no inglês tem a ver com natal, ou seja, com o nascimento, como quando se diz, por exemplo, “o setor neonatal de um hospital”. No Natal nós celebramos o nascimento de Cristo. Uma pessoa é nativa da terra do seu nascimento. Então, nesse caso, por que fazer uso dessa palavra redundante que é “Etnonacionalismo”? Por que os defensores do etnonacionalismo não empregamos a palavra mais simples, “Nacionalismo”, para significar “Etnonacionalismo”? Acontece que na história recente tem vindo a prevalecer o conceito de “nação proposicional”. Desta perspectiva, a nação assimila-se a um conjunto de pessoas unidas por uma ideologia comum, por princípios propostos e aceitos, por alguma proposição (daí o nome), ou seja, uma afirmação de diretriz política que sirva de base para a nação, que nesse caso não teria berço na comum ancestralidade. Entretanto, como veremos, a nação proposicional implica erro lógico, trata-se de uma contradição em termos.

As perguntas a que nós, cristãos ortodoxos, devemos responder são estas: com que sentido o vocábulo “Nação” é empregado na Bíblia? Que tipo de nação a Bíblia preconiza? A Bíblia endossa uma definição mais tradicional de nação? Ou a Bíblia promove a ideia de nação proposicional, com a fé cristã sendo a proposição? O meu objetivo é demonstrar que, na verdade, a Bíblia prega o conceito tradicional de nação como agregado de pessoas que compartem uma linhagem comum.

O significado e o uso da palavra “Nação” na Bíblia

A Bíblia foi predominantemente escrita em hebraico e grego. A palavra usada no Novo Testamento em grego e no Velho Testamento da septuaginta é éthnos. Esta palavra é o étimo da nossa palavra inglesa ethnicity e denota os homens de uma linhagem comum. Esta definição é também consistente com o modo como a palavra “Nação” é empregada na Bíblia. Nas Escrituras Sagradas, o conceito de nação está definido exatamente como na sexta edição do Black’s law dictionary: um povo ou agregado de homens organizado em sociedade na forma da lei, geralmente habitando determinado território, de língua, costumes e história comuns, distinto de outros pela origem e características raciais, que geralmente, mas não necessariamente, vive sob um mesmo governo e soberania.

As nações são mencionadas, primeiramente, na Tabela das Nações, constante no capítulo 10 do Gênesis. A Tabela das Nações relaciona a descendência de Noé depois do Dilúvio. Estas nações são listadas segundo a hereditariedade, enquanto ramos de uma árvore que tem Noé como o seu tronco. Tais nações são enumeradas como extensões de famílias (Gênesis 10:5, 20, 31s) e esse uso da palavra “Nação” mantém-se coerente por toda a Bíblia.

Passadas algumas gerações depois do Dilúvio, um homem chamado Ninrode tentou construir um império. Seu reino foi chamado de Babel, e ele uniu diferentes grupos sob sua chefia carismática. Os grupos governados por Ninrode empenharam-se na construção de uma cidade e de uma torre como monumento alusivo ao seu compromisso com a unidade política. Deus tomou conhecimento do empreendimento e proclamou que a sua continuação causaria desmedido mal (Gênesis 11:6). Deus, então, decidiu fazer que a língua dos construtores de Babel se diferenciasse para assim impedir a união deles num mesmo corpo político. Esta é uma passagem forte e demonstra que as divisões e fronteiras nacionais estão de harmonia com a ordem dada por Deus.

 

Alguns argumentam que a separação das nações terá sido a solução transitória para um problema havido séculos antes e que Cristo teria religado as partes separadas. Essas pessoas, geralmente, veem os limes ou divisões nacionais como um problema que cedo ou tarde será resolvido. Os etnonacionalistas discordam fortemente dessa visão da teleologia ou propósito da raça e das distinções raciais. Os etnonacionalistas afirmam que Deus quis criar raças, tribos, nações e famílias separadas desde o começo e que todos estarão unidos sob Cristo, finalmente. Em razão de as distinções raciais existirem no Céu, fica claro que Deus desejou que existissem para a sua própria glória. Nada na Bíblia indica que a distinção racial ou a identidade racial tenha sido a solução transitória de um problema temporário. Tais distinções, ao contrário, são elemento integral de nossa identidade e persistirão para sempre (Apocalipse: 5:9; 7:9; 21:24; 22:2.) Uma vez que tenhamos estabelecido que nacionalidades separadas existem no Céu e que muitas “nações entre elas foram salvas”, torna-se evidente que a raça possui importância intrínseca. Não estamos mais impedidos de dizer que os nossos corpos ressurrectos não terão diferenças de raça do que de dizer que eles não terão diferenças de sexo.

Orgulho racial, lealdade e responsabilidade

Muitos cristãos brancos pensam que o orgulho racial seja alguma coisa intrinsecamente errada ou maligna. Eles acham que só podemos nos ufanar da condição de seguidores de Cristo. Num certo sentido, isso é verdade. O apóstolo Paulo considerava que qualquer bem ou honra que ele pudesse desejar não passaria de “merda” em comparação com a “excelsitude do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor” (Filipenses 3:4-8), sua origem étnica, inclusive! Importa muito notar que Paulo usa aí uma linguagem hiperbólica. O apóstolo está dizendo que todo o nosso ser e o nosso ter não vale nada diante da santidade de Jesus Cristo! Importa ressaltar também que Paulo está, nessa passagem, comparando a própria santidade com a santidade de Cristo. Nesse sentido é que nada em nós importa para a salvação. Somos salvos apenas por mérito de Cristo. O próprio Cristo quer que nossa lealdade a Ele prevaleça sobre nossa lealdade a nossos cônjuges e demais familiares (Mateus 19:29; Marcus 10:30)! Seria grave erro, entretanto, concluir daí que a ancestralidade ou o próprio casamento não tem importância.

Com efeito, o próprio apóstolo Paulo, que dirigiu essas palavras aos filipenses, também disse que ele “desejaria ser amaldiçoado e separado de Cristo por amor de meus irmãos, os de minha raça, o povo de Israel” (Romanos 9:3). Na nova edição internacional da Bíblia, a referência explícita à “raça” foi substituída pela expressão “irmãos segundo a carne”. Existe aí uma clara e desinibida manifestação de orgulho e lealdade raciais. Sem nenhuma ambiguidade, Paulo mostra solidariedade para com o seu povo, mesmo em se tratando de gente infiel! O devotamento de Paulo ao seu trabalho missionário pelos não israelitas não o impediu de assumir seu natural afeto pelo seu próprio povo. Se para Paulo foi lícito expressar o seu compromisso com o bem-estar da sua própria gente, por que a mesma manifestação de solidariedade racial não se permite aos brancos? Os brancos que demonstram solidariedade entre si são, geralmente, discriminados, mesmo quando não há da parte deles nenhuma animosidade contra pessoas de outras raças. Esse sentimento de afinidade, simpatia ou amor ligando alguém ao povo de sua pertença não se deve limitar a foro íntimo, ao âmbito pessoal das preocupações e afetos motivados por anseios de solidariedade endoétnica, devendo, ao contrário, ganhar expressão pública na prática das ações e na assunção de responsabilidades políticas.

Atualmente, entretanto, são muitos os que não acreditam nem sequer nas responsabilidades ou obrigações familiares. Isto não deve ser assim! O apóstolo Paulo disse a seu discípulo Timóteo que “Quem se descuida dos seus, e principalmente dos de sua família, é um renegado, pior do que um infiel” (1 Timóteo 5:8). O substantivo “seus”, certamente, não pode ser interpretado como significando o que, hoje, denotaríamos pela palavra “Raça”. “Seus”, em vez disso, significa ali a família extensa, cujo centro está no domicílio, na família nuclear. Paulo está ensinando que as pessoas têm obrigações familiares que se expandem em círculos concêntricos de lealdade. Nossas responsabilidades para com a humanidade em geral são muito menores do que as responsabilidades que temos para com aqueles no nosso lar ou socialmente próximo dele. Isto demonstra, novamente, a importância da família, do clã, da tribo, da nação e da raça no modelo societal bíblico.

O propósito das distinções nacionais

O propósito de Deus atribuído às diferentes nações será tratado mais detalhadamente em outros artigos. Aqui veremos bem por cima, e rapidamente, a questão do propósito a que serve cada nação. A primeira observação que devemos considerar é que a distinção nacional de base hereditária já existia quando Babel estava em construção. Temos certa referência cronológica na Tabela das Nações: a divisão de Babel teve lugar ainda ao tempo de Pelegue (Gênesis 10:25). Pelegue é da quarta geração de Sem e da quinta geração de Noé. Podemos concluir, então, que a identidade nacional já tinha raízes nos filhos de Noé e na sua descendência, e que a divisão de Babel não era disposição nova ou inovadora mas, antes, a reafirmação de uma preexistente estrutura social que volve atrás no passado até, pelo menos, o tempo do Dilúvio. Deus confundiu as línguas como expediente adicional para a manutenção das distinções nacionais. As nações não foram criadas aí, elas já existiam antes disso! Muitas gerações das nações listadas no capítulo 10 do Gênese tinham-se passado antes da construção da Torre de Babel, e Deus estava protegendo a identidade singular de cada nação anterior a Babel. Certamente, Babel foi castigo para a expiação de pecados, mas também foi ato piedoso de Deus para atalhar a marcha do mal nas sociedades cosmopolitas esquecidas de sua identidade tribal. As sociedades sem consciência racial ou tribal caem em decadência devido ao anonimato e à perda da autoridade patriarcal, corolário inevitável desse tipo de regime. Quando os ancestrais são esquecidos, aqueles que se esquecem deles também se esquecerão dos próprios descendentes.

 

Em Deuteronômio 32:8, lemos que as nações foram apartadas por ato especial da providência de Deus. Ali está escrito que o Altíssimo dividiu as nações, a sua herança para elas e separou os filhos de Adão e, ainda, que Deus estabeleceu os limes das nações. A divisão da herança de Deus entre as várias nações é positivo e intencional trabalho da providência de Deus. Isso significa que a separação das nações não apenas teve a aprovação de Deus, mas também que Ele o fez a bem da própria criatura humana.

Outra passagem fundamental sobre os propósitos das distinções nacionais e sua conveniência encontra-se em Atos 17:26s. Neste trecho, lemos que Deus fez de um só sangue (presumível referência, de novo, a Adão) todas as nações: “E de um só sangue fez toda a geração dos homens, para habitar sobre toda a face da terra, determinando os tempos já dantes ordenados, e os limites da sua habitação; para que buscassem ao Senhor, se porventura, tateando, o pudessem achar; ainda que não está longe de cada um de nós”. Vale ressaltar que os cristãos tradicionais têm a convicção de que toda a humanidade descenda de Adão e Eva, em vista de que Eva é referida como “a mãe de todos os viventes” (Gênesis 3:20). Os detratores do etnonacionalismo pintam um alvo na testa de todo etnonacionalista, alegando que os etnonacionalistas não afirmam a unidade dos homens sob Adão como representante humano. Ora, foi pela unidade da aliança que o pecado original se transferiu para toda a humanidade (Romanos 5:12). Ocorre que a comum descendência de Adão não muda o fato de que Deus separou as nações e indicou suas respectivas obrigações e lugares de habitação. Notar que o versículo 27 revela a razão de Deus ter feito isso. Deus assim fez para que o homem o buscasse e encontrasse! Importa observar que ninguém se encontra com Deus por uma questão de sua habilidade natural (1 Coríntios 2:14), mas é claro que Deus usa as distintas nações como instrumentos para operar a salvação por sua soberana vontade, da mesma forma como Ele se serve de cônjuges fidos para santificar e redimir seus infidos maridos ou mulheres (1 Coríntios 7:14).

Algumas pessoas argumentam que esse propósito das distinções nacionais tenha sido transitório e que essas distinções devieram obscurecidas ou foram superadas pela descida do Espírito Santo no Pentecostes, conforme referido em Atos 2. O problema com essa interpretação é que ela não condiz com a narrativa. Se, no Pentecostes, tivera Deus pretendido reunir o povo num só corpo político, então todos ali voltariam a falar numa só língua, o que seria condição favorável à sua unidade. Ao contrário disso, lemos que Deus fez que o apóstolo Pedro pregasse na língua daqueles que o ouviam! Importa apontar, também, que as pessoas reunidas no Pentecostes eram piedosos israelitas chegados a Jerusalém das diferentes regiões onde residiam. Pentecostes não foi um evento que se possa comparar a uma assembleia das Nações Unidas. O povo presente ali era bastante homogêneo etnicamente. Além disso, Pentecostes foi o batismo de Babel. O Dr. Francis Nigel Lee [1934-2011], no seu Race, people and nationality, explica bastante concisamente a relação entre Babel e Pentecostes:

Pentecostes consagra a legitimidade da separação das nacionalidades ao invés de reprová-la. Com efeito, mesmo no advento da nova terra depois da segunda vinda de Cristo, é-nos dito que aqueles das nações que forem salvas caminharão à luz da Jerusalém celestial, e que os reis da Terra levarão a glória e a honra — os tesouros culturais — de suas nações para ela… Mas não há em nenhum lugar das Escrituras nenhuma indicação de que os povos devam ser amalgamados numa só grande nação.

Qual, então, será o destino das nacionalidades separadas, como diz o Prof. Lee? As nações separadas estariam destinadas à “fusão” pela difusão do Evangelho? Ou as nacionalidades separadas persistirão? Os etnonacionalistas estamos convencidos de que as nacionalidades separadas manter-se-ão separadas até mesmo na próxima vida sob os novos céus da nova terra. Nós lemos mais sobre isso no Apocalipse de João, quando ele escreve que “E as nações dos salvos andarão à sua luz [da Jerusalém celestial]; e os reis da terra trarão para ela a sua glória e honra” (Apocalipse 21:24). O apóstolo João lobriga também cristãos de todo clã, tribo, povo e nação no céu (Apocalipse 5:9: 7:9), revelando que “no meio da sua praça […] estava a árvore da vida […]; e as folhas da árvore são para a saúde das nações” (Apocalipse 22:2). Na Igreja, pois — e não nos deve faltar coragem para afirmá-lo — há distintas e separadas nações. Quando alguém se torna cristão, conserva sua identidade étnica e sua identidade racial. Estes atributos não são perdidos em Cristo, ao contrário: são legitimados e santificados da mesma forma como são santificados ambos os sexos na distinção de sua identidade no seio da família e da Igreja. Que papel cumprem as nações numa sociedade cristã? Esta questão encontra-se na base da tradicional compreensão cristã da ordem social.

O papel da nacionalidade

[No artigo “A família de Deus”], J. C. Ryle escreveu que “a comunidade de sangue é a de mais forte coesão”. No Deuteronômio 23, Israel recebe as leis sobre quem pode ser integrado na congregação do Senhor. A congregação do Senhor significa, provavelmente, a igreja nacional de Israel. Importa frisar que a assimilação leva em conta como critérios de sua possibilidade a hereditariedade e a história. Os moabitas e os amonitas são completamente excluídos por causa de sua má história com os filhos de Israel, enquanto estes assimilam mais facilmente o Egito por sua condição de estranhos na terra dos faraós. Edom e Israel foram nações que tiveram uma história “complicada”, para dizer o mínimo. Mas os edomitas assimilam-se facilmente à congregação israelita em razão da consanguinidade, porquanto ambos os povos descendem do patriarca Isaque. Daí a referência a Edom como o irmão de Israel (Deuteronômio 23:7; Números 20:14). A importância da consanguinidade que se ensina nessa passagem mereceu a devida ênfase do renomado biblicista Matthew Henry, que sobre isso escreveu: “Por causa dessa relação de leis, embora muitos não a aceitam bem, a falta de bondade nas relações pessoais deve ser perdoada” (Complete commentary on the whole BibleDeuteronômio 23:1-8).

A identidade étnica consiste numa forma de extensão da família. A Bíblia não endossa a noção de uma nação proposicional consistente mais nas ideias do que na linhagem. Israel é a nação que serve de exemplo, e a voz de Deus chama as demais nações para segui-lo (Deuteronômio 4:5-7). O que se preconiza aí é que todas as nações, à semelhança de Israel, devam ser identificadas por critérios hereditários, ou seja, pela linhagem de seu povo. O modo mais fácil de entender a nação no sentido mais apropriado é considerá-la como uma família ampliada. O antigo Israel compunha-se de doze tribos originárias do seu patriarca Jacó, as quais eram identificadas pelas famílias de que se formavam. Os primeiros oito capítulos do 1 Crônicas são dedicados a listar as famílias das tribos, porque “todo o Israel foi contado por genealogias” (Números 1-4; 1 Crônicas 1-8; 9:1).  

Os não israelitas eram chamados de estrangeiros ou viajores e deviam ser tratados justa e gentilmente (Êxodo 12:48s; 22:21; 23:9; Levítico 23:22; 24:22; Números 9:14; 15:15s, 29s). A melhor ideia que se pode fazer desses ádvenas é considerá-los como hóspedes convidados a uma casa. Enquanto hóspedes, deviam ser recebidos com as maiores gentilezas, mas não poderiam se adonar de nada do seu anfitrião. Aliás, o afluxo descontrolado de estrangeiros para minar as suas forças e consumir as suas riquezas é como Deus promete castigar a impenitência de Israel (Deuteronômio 28:32-36). Nas atuais circunstâncias dos Estados Unidos, esse medonho castigo parece estar sendo aplicado aos anglo-saxões. Até os pretos poderão perder o seu lugar nos Estados Unidos por sua infidelidade ao Evangelho, por força dessa mesma passagem bíblica, conforme a curiosa interpretação do Rev. Jesse Lee Peterson. A afinidade dada pelas relações de sangue são de interesse tanto para o governo da sociedade quanto para o direito de propriedade, porquanto só os israelitas podiam dispor da terra em caráter permanente, a qual era dividida conforme a identidade tribal.

O princípio do mando patriarcal

A Bíblia coloca a autoridade familiar na mão dos maridos e dos pais.25 Samuel Rutherford, em Lex, rex (Q.XIII, pp. 51-52), escreveu:

O pátrio poder, por ter sido a primeira forma de governo e modelo para todas as outras, certamente consiste na modalidade superior de exercício cracial; porque é melhor que o meu pai me governe do que o faça um estranho e, por isso, o Senhor proibiu o seu povo de ter acima de si um estrangeiro como o seu rei. O Prelado discorda […], o pai [de um homem, entretanto,] nasceu para estar na obediência somente de seu próprio pai, por isso […] o governo natural não é senão o do pai e do marido.

Isso é considerado “racista”, “sexista” ou “chovinista” pelos padrões atuais, mas Deus não costuma dar muita importância à opinião dos homens! Sobre a autoridade e chefia do homem como também sobre a autoridade dos pais, confira as passagens seguintes: Gênesis 2:18; 3:16; Êxodo 20:12 (compare com Deuteronômio 5:16), Números 30; Isaías 3:16-24; 1 Coríntios 11:7-12; 14:34s; Efésios 5: 22-33; Colossenses 3: 18-21; 1 Timóteo 2: 9-15; Tito 2: 1-8; e Pedro 3: 1-7. Na Bíblia, a autoridade civil é uma extensão natural da autoridade familiar. O texto na base dessa posição está em Deuteronômio 17:15, determinando que Israel terá por rei sempre alguém dos seus homens, acima de quem só um irmão deles poderá estar, nunca um estrangeiro. Importa considerar que, na Bíblia, “irmãos” nem sempre significa cristãos. Disto temos exemplos em Números 20:14, Deuteronômio 1:16; 23:7, 2 Reis 10:13-14, Neemias 5:7, Jeremias 34:9 e Romanos 9:3, passagens nas quais essa palavra tem sentido étnico dado pela identidade de Israel. [John] Gill mostra, no seu Exposição da Bíblia, que o rei é irmão de Israel pela nação e pela religião, não só, exclusivamente, pela religião. Keil e Delitzsch, no seu Commentary on de Old Testament, indicam que o rei não é um forâneo ou não israelita.  Com base em Deuteronômio 17:15, [John] Knox, em seu combativo The first blast of the trumpet against the monstrous regiment of women [O primeiro toque da trombeta contra o monstruoso governo das mulheres], sugere que todas as mulheres e os estrangeiros estavam excluídos. Não é demais repetir que não podemos tomar os estranhos ou estrangeiros referidos como se todos fossem necessariamente infiéis. Disso temos exemplo em Isaías 56:3, passagem que afirma a possibilidade da aliança de Deus com forâneos. Também Samuel Rutherford toma Deuteronômio 17:15 como texto fundamental para a sua obra magna sobre o governo civil na qual ele comenta que “o rei é alguém da família” (Lex, rex, QXXV, pp.120-124). Eu diria, também, que os estrangeiros poderiam ser circuncidados (Êxodo 12:48), mas, ainda assim, não se confundiam com os filhos de Israel (Números 11:4), tampouco eram admitidos na magistratura (Deuteronômio 1:13-16; 17:15). A nação de Israel assentava-se na hereditariedade (Deuteronômio 15:12; 23:7; Números 20:14; Levítico 18:26; 22:18). Levítico 18:26 é especialmente revelador, porque aponta como os guardiães das leis de Deus aqueles da nação (éthnos) israelita e os estranhos (não israelitas) que habitavam entre eles. Este é um exemplo cabal de que a nação de Israel compunha-se pela hereditariedade, não apenas pela adesão convencional ou espiritual.

Há outras passagens semelhantes no livro de Samuel Rutherford que confirmam a natureza familial da autoridade civil. Os reis e rainhas são referidos como pais e mães. Outros trechos bíblicos desse mesmo teor: 2 Samuel 5:1 e 1 Crônicas 11:1, nos quais as tribos de Israel confirmam a legitimidade de Davi como postulante ao governo por serem elas da “carne e sangue” de Davi. As referências à carne, ao sangue indicam certa correlação dada pela hereditariedade, a qual não se aplicava a todos. Os chefes deviam ter com os seus subordinados afinidade de sangue, o que parece corresponder ao que diz Moisés em Deuteronômio 1:13-16 e 17:15. Isto estabelece o princípio básico para o governo das nações, conforme Eclesiástico 17:17.

 

(Ressalvemos que, como se sabe, o Eclesiástico é livro deuterocanônico. O ensino tradicional sobre o deuterocânon diz que os seus livros não são divinamente inspirados, acrescentando, não obstante, que sua leitura será de proveito para a edificação dos cristãos, como também que esses livros devem ser lidos à luz dos livros do primeiro cânon. Cristo e os apóstolos conheciam muito bem o deuterocânon, a cuja literatura o Novo Testamento faz muitas referências.)

Voltando à vaca fria: essa correlação de carne e sangue é a mesma que a Bíblia determina como regra para o casamento (Gênesis 2:23). Deus criou a mulher para ser a “auxiliadora” do seu marido, o que se cumpre da melhor forma pela relação de carne e osso de Adão e Eva. O intercasamento, ou seja, o casamento inter-racial, ao ligar cônjuges de distantes nações, quebra essa regra mencionada em Gênesis 2:23s para o casamento e o faz de forma análoga à poligamia e ao casamento entre pessoas de idades muito diferentes, que também transgridem a norma do casamento dada pelo exemplo de Adão e Eva. Menções negativas ao miscigenismo constam das passagens seguintes da Bíblia: Esdras 9:2; Jeremias 25:20; 24; 50:37; Ezequiel 30:5 e Daniel 2:43. Nesse mesmo sentido, Abraão, Isaque, Manoá e Tobias aconselham os seus filhos a não se casarem com pessoas de outros povos (cf. Gênesis 24:1-4, 37, 41; 26:34s; 27:46; 28:1s; 29:14; Juízes 14:3;Tobias 4:12).

Considerações de natureza civil também pesaram contra o casamento com gente dos povos que eram inimigos de Israel. A lei constante no Deuteronômio 23:1-8 era aplicada por Esdras e Neemias no intento de impedir casamentos com aqueles interessados no dano de Israel (Esdras 10 e Neemias 13 sobre a aplicação da lei do Deuteronômio 23). As razões práticas para o que reza o Deuteronômio 17:15 são óbvias. Se um estranho governa uma nação, ele buscará, naturalmente, expropriar o numerário e as propriedades do povo nativo para com essas riquezas beneficiar aqueles de sua própria carne e osso. Isto se aplica tanto a cristãos quanto a não cristãos, porquanto muitas nações sempre existirão na Igreja, mesmo no céu (Apocalipse 21:24). Pode haver exceções a esta regra. Deus usou José, por algum tempo, como o sábio regente a serviço do faraó no Egito (Gênesis 39:4-6), e o rei Ciro, por meio da promulgação de justo decreto, permitiu que os israelitas voltassem à sua pátria sob a proteção dele (2 Crônicas 36:22s). Estes casos são as exceções da regra e mostram um Deus que faz das tripas coração numa situação muito aquém da ideal.

A propriedade tribal

A Bíblia promove a propriedade privada. Isto é consubstancial ao mandamento contra o roubo (Êxodo 20:15; Deuteronômio 5:19). Deus é o verdadeiro e devido senhor de tudo quanto existe (Salmos 24:1), mas Ele delegou a zeladoria da criação para que a humanidade tivesse o domínio sobre todas as coisas criadas (Gênesis 1:28ss). Parte deste domínio executa-se por meio da propriedade privada. Deus dividiu a terra habitável entre diferentes nações (Deuteronômio 32:8 e Atos 17:26). Deus espera que as fronteiras que Ele estabeleceu sejam reconhecidas e respeitadas (Provérbios 22:28 e Deuteronômio 27:17). Isto não significa que as fronteiras políticas nunca devam mudar. Um bom exemplo foi o cisma político que dividiu a nação de Israel em dois reinos separados — Israel e Judá, depois da morte do rei Salomão. O fato da instabilidade dos limes políticos ao longo do tempo não anula o princípio e a relevância das fronteiras em geral sob a vontade de Deus.

A lei de Deus também provê Israel com a disposição de que a propriedade permanecesse com as famílias e clãs. O primogênito de cada família era o primeiro herdeiro das terras e outros bens de seu pai (Números 3) e, pois, tornar-se-ia o chefe da casa paterna depois da morte do progenitor, arcando também com os deveres de cuidado para com os seus familiares. Este é o conhecido direito da primogenitura e era praticado por injunção legal nas sociedades europeias até recentemente. Na falta de um herdeiro masculino, o marido mais velho de alguma das filhas seria o herdeiro do patrimônio. E se o esse genro fosse de outra tribo ou clã? Neste caso não ficaria fácil transferir o legado de uma família ou tribo para outra? Sim, ficaria, e justamente para evitar que isso acontecesse Deus prescreveu que as herdeiras se casassem com homens da tribo de seus pais (Números 27:1-11; 36). Seja lembrado que Israel foi-nos dado como exemplo do modo como as nações devem ordenar as suas sociedades (Deuteronômio 4:5-7). Fica claro, pois, que Deus zela pela herança física e na lei divina há cláusulas de proteção contra o esbanjamento ou a dissipação total ante o risco de propostas ou condições financeiras em circunstâncias adversas. A Bíblia promove o nacionalismo econômico, pelo que autoriza a tributação dos negócios de estrangeiros com os israelitas, como também instaura as leis do Jubileu, por força das quais as propriedades perdidas são recuperadas, e as dívidas, perdoadas, e os escravos, libertados (Levítico 25). Bem ao contrário disso e conforme a mentalidade nas condições da “economia global”, os banqueiros internacionais e os grandes negociantes buscam o lucro quando mesmo em prejuízo do bem-estar de seus compatriotas e até da própria família!

Essa questão remete à figura de Nabote, um dos melhores exemplos bíblicos de fidelidade à herança familiar. O rei Acabe ofereceu vultosa soma pela vinha de Nabote que ele tanto cobiçava. Nabote recusou a proposta, dizendo-lhe: “O SENHOR me livre de te ceder a herança dos meus antepassados” (1 Reis 21:3). Nabote expressa aí, claramente, que a sua lealdade a seus ancestrais é mais forte do que o seu interesse em ganhos imediatos. A ironia no laissez-faire capitalista é que, na ânsia do enriquecimento rápido, a mercancia da terra redunda na concentração de riqueza nas mãos de uma minoria de privilegiados no mundo dos negócios. As sociedades que negligenciam a sabedoria bíblica sofrem as consequência desse erro no desbarato de sua herança!

Os impérios e a nacionalidade proposicional

O princípio do governo parentelar e da propriedade tribal tem contra si a existência dos impérios. Um império é o reino que se estende sobre diversas tribos, nações e povos. A nacionalidade proposicional tem sua origem nos impérios. A primeira tentativa de construção de um império de que se tem registro é a de Ninrode na cidade de Babel, suso mencionada. O profeta Daniel também refere uma série de impérios que dominariam o mundo mediterrânico (Daniel 2; 7). Os impérios, geralmente, têm vida relativamente curta e são mantidos por meio de um poder militar agressivo (Daniel 2:37-40; 7:19). Os impérios são uma paródia do reino espiritual de Cristo. O império crístico, este sim, expandir-se-á até abarcar todas as nações e povos (Daniel 2:44; 7:13s; Apocalipse 5:9; 7:9), instaurando-se pacificamente pelo ministério do Espírito Santo, nunca pelo emprego de força militar (João 18:36).

Os Estados Unidos, tradicionalmente, não eram vistos como uma “nação proposicional” até recentemente na história. John Jay, o primeiro ministro da Justiça e coautor dos Federalist Papers, escreveu sobre a fundação dos Estados Unidos:

Com o mesmo prazer tenho observado muitas vezes que a Providência se agradou de nos dar um país integrado e um povo unido — um povo descendente dos mesmos ancestrais, falando a mesma língua, professando a mesma religião, aderente aos mesmos princípios de governo, muito similar em seus usos e costumes, e que por meio de suas assembleias, suas armas e esforços, lutando lado a lado numa longa e sangrenta guerra, nobremente estabeleceu a liberdade e a independência gerais (John Jay. Federalist Number 2).

 

Caso o leitor não saiba, com a frase “descendente dos mesmos ancestrais” John Jay refere-se àqueles americanos de origem europeia; e pela expressão “a mesma religião” ele quis dizer que os americanos professavam o cristianismo.

O problema subjacente às nações proposicionais é que elas sofrem conflitos internos devido às diferentes interpretações de suas proposições. Tomemos os Estados Unidos como exemplo. Os Estados Unidos são tidos por país proposicional unido na obediência a certos “valores”, como a “liberdade”, a “democracia” ou — este é o meu favorito: a decantada “tolerância”. Quem entende esses conceitos da mesma forma? Ninguém! Por isso é que os ciclos eleitorais não passam de acirrados debates sobre “valores” indefinidos e carentes de sentido. Os Estados Unidos vêm caindo na condição degenerada de nação proposicional nas últimas décadas, mas não foram a primeira nação proposicional a existir. O historiador greco-romano Públio Élio Aristides escreveu sobre a cidadania universal romana, extensivamente, qualificando-a como ferramenta para a  preservação do domínio sobre os povos submetidos ao império. Sobre isso, disse ele:

O mais notável e louvável de tudo é a grandeza de vossa concepção de cidadania. Não há nada de comparável no mundo. Vós haveis dividido toda a população do império — e ao dizer isso eu me refiro à população do mundo inteiro — em duas partes; numa parte, estão   aqueles mais cultos, virtuosos e capazes de todo lugar, que vós fizestes cidadãos e nacionais de Roma… Nessa categoria, nenhuma distância no mar ou na terra afasta um homem da cidadania. A Ásia e a Europa não se distinguem em relação a tal questão. Tudo está aberto para todos; e ninguém com a competência para um cargo ou responsabilidade se conta entre os alheios. Para esses, Roma nunca disse “não há mais vaga!”.

Na outra parte, na parte dos não contemplados, entre aqueles que permanecem estrangeiros, ninguém merece confiança ou alguma função pública. O que existe aí é uma espécie de “democracia mundial” para os mais ricos e poderosos, restando os demais sob o governo ou direção de um maioral… Vós separastes a humanidade entre romanos e não romanos… e por causa da divisão assim estabelecida, em toda cidade por todo o império há muitos forâneos que compartilham a cidadania convosco não menos do que com a mesma gente deles. E alguns desses cidadãos romanos em nenhuma vez nem sequer pisaram Roma.

Parece familiar? Essa descrição assusta por corresponder ao que se passa hoje nos Estados Unidos quanto às políticas de imigração e naturalização! No ano 212 d.C., o imperador Caracala estendeu a cidadania romana para todos os homens livres do império, da Britânia à Arábia, conforme a chamada Constituição Antonina. Quando os americanos promovem o conceito de nação proposicional na tentativa de “dar segurança para a democracia no mundo”, incorremos no erro de decalcar os piores aspectos da Roma pagã que tentou impor uma “democracia global” sob o domínio de um homem. A presente política religiosa dos Estados Unidos corresponde à mesma política desse tipo adotada na Roma imperialista. O mesmo é dizer que todas as religiões são toleradas, desde que obedientes ao Estado, mas Cristo não aceita rivais em matéria de religião (Mateus 12:30). Em Roma, César deve ser adorado como Deus, quaisquer sejam outros deuses que cada um possa adorar, e nos Estados Unidos atuais nós olhamos para o Estado assim como faziam os romanos, dele esperando a satisfação das nossas necessidades e mais comodidades.

Os Estados Unidos foram fundados segundo o modelo romano de um império proposicional? Ou foram fundados como nação bíblica radicada na história, na tradição, na consanguinidade e na fé cristã? Os Estados Unidos foram fundados pelos colonos na Virgínia e pelos peregrinos em Massachússetes como nação bíblica. No selo da carta da Companhia da Virgínia constava a imagem do rei inglês James I. Os peregrinos do Mayflower referiam-se a si mesmos como “súditos leais de nosso venerando senhor Rei James”, ou seja, eles se viam mais como súditos ingleses do que como cristãos sem soberano reconhecido a que devessem obediência no mundo. O presidente George Washington tratou de assegurar que a imigração e a naturalização estivessem restritas àqueles de “gente livre, branca e boa”. Não por acaso, a lei de naturalização de 1790 foi a primeira da política constitucional. Houvéssemos acatado a experiência e a sabedoria dos americanos das gerações passadas, não haveria religiões não cristãs ou anticristãs aqui nos Estados Unidos. O imperialismo e o marxismo cultural seguem abolindo as nossas fronteiras, em alguns casos já sem sentido, e suas leis substituem a lei de Deus como fonte da nossa política. Não evitaremos que recaia sobre nós o castigo de Deus prometido àqueles que desrespeitassem a sua lei e os seus preceitos (Deuteronômio 28:43s).

A defesa do etnonacionalismo

A esta altura, deve estar claro que não existe alternativa a não ser abraçar o etnonacionalismo, conforme estabelecido na Bíblia como a norma. A Europa deveio grandiosa pelo acatamento à lei de Deus em todas as coisas, no que se inclui o etnonacionalismo. Nós nos afastamos para longe da civilização que era a nossa e que prevalecia de forma tão evidente até algumas décadas atrás.  Durante os anos sessentas, o marxismo cultural engendrou o chamado “movimento dos direitos civis”, que instilou na sociedade a ideia abíblica dos “direitos iguais”, levando-nos à subversão da lei de Deus.

Como cristãos que somos, temos o dever moral de defender a ordem divina ameaçada em nossas vidas, famílias e sociedades. A Bíblia mostra-nos, claramente, que as nações devem estar ligadas pelos laços naturais do sangue e do solo. Devemos rejeitar as doutrinas que rejeitam a noção cristã do etnonacionalismo presente nas Escrituras Sagradas. Não foi por coincidência que rejeitamos a base cristã da identidade nacional quando, simultaneamente, rejeitamos a doutrina cristã sobre o casamento, os papéis sexuais e a moralidade. A refutação do etnonacionalismo não é mais do que um sintoma da refutação da própria lei de Deus na sua integridade. Fico triste de reconhecer que, em muitos casos, cristãos professos fazem exatamente isso.

A fundação da nação bíblica como definida na Tabela das Nações tem por base a comum ancestralidade, a comum religião, a comum história e costumes comuns, o que torna possível a mútua partilha de ideias e valores, condição sem a qual uma nação não passará de abstração jurídico-administrativa. Nos Estados Unidos, cometemos o erro que os romanos cometeram antes de nós e podemos não escapar do desastroso destino que foi o deles. Os cristãos europeus, legatários da Civilização Ocidental, estamos numa encruzilhada histórica. Ou continuamos no caminho insensato de nossos antecessores da Roma pagã até o abismo que a tragou, ou revivificamos o espírito do nacionalismo cristão, que tantas vezes livrou o Ocidente da ruína e preservou a sua civilização por muitas gerações dos povos europeus. A salvação está em retornar ao caminho reto antes palmilhado pela nossa gente (Jeremias 6:16) e de novo abraçar o Deus de nossos maiores. Só o Altíssimo pode reconstruir nossas cidades e revestir de carne os ossos secos de nossos avoengos (Ezequiel 37). Enfrentemos o futuro com otimismo, na esperança de que Deus resgate aqueles que perseveram na fé e reconstrua, mais uma vez, as ruínas onde agora habitamos (Isaías 1:9).

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Fonte: Faith & Heritage. Autor: Davis Carlton. Título original: A biblical defense of ethno-nationalism. Data de publicação: 19 de janeiro de 2011. Versão brasilesa: Chauke Stephan Filho.